quinta-feira, 21 de agosto de 2008

CAPÍTULOS DA CRISE DA VENDA DA VARIG

Ofício põe em xeque declarações de Zuanazzi


DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

FOLHA DE SÃO PAULO

Dentro da mala que a ex-diretora da Anac Denise Abreu levou ao Senado estavam 12 mil folhas que detalham o tumultuado processo de venda da Varig e revelam incoerências nos depoimentos do ex-presidente Milton Zuanazzi e do ex-procurador-geral da agência João Ilídio, que negaram anteontem a pressão do Executivo no caso.


Zuanazzi disse aos senadores que não havia nenhuma representação contra Denise Abreu no Ministério da Defesa. Detalhou ainda que consultou o então ministro Waldir Pires, que lhe garantiu não ter nenhum procedimento interno contra a ex-diretora.


Mas um ofício assinado pela advogada Adriana Marubayachi Angelozzi pede o arquivamento da representação no Ministério da Defesa no mesmo dia em que a diretoria da Anac aprovou a venda da VarigLog para o fundo americano e os três sócios brasileiros.


Denise Abreu condicionava sua participação na votação que aprovou a venda à retirada da representação da qual é acusada de lobby pela TAM. Contra a ex-diretora foi protocolada ainda uma representação por "supressão de documentos". A Varig pedia ao Ministério da Defesa que se apurasse o motivo pelo qual Denise Abreu não incluiu pareceres que comprovavam a origem do capital dos compradores.


A documentação mostra ainda que a Procuradoria Geral da Anac emitiu três pareceres distintos sobre a necessidade de se provar que a VarigLog era controlada por mais de 80% de capital nacional.

Novos documentos


Uma ata da reunião da diretoria do dia 18 de abril de 2006 cita parecer da procuradoria sustentando a necessidade de a VarigLog apresentar novos documentos sobre o capital da empresa.


A decisão fez com que Roberto Teixeira acionasse a Justiça questionando a decisão da agência, em especial de Denise Abreu, que era relatora do processo. "O assunto em questão, não se sabe de que forma, foi atribuído à competência de Denise Abreu, que havia há poucos dias assumido o cargo, após ser guindada da assessoria jurídica da Casa Civil e, por conseguinte, do ex-ministro José Dirceu", escreveram os advogados do escritório de Roberto Teixeira na ação, que foi retirada justamente para assegurar a aprovação da Anac no dia 23 de junho de 2006.


À Folha, a agência Ilídio disse que não lembra de ter assinado pareceres exigindo cópia das declarações do Imposto de Renda dos sócios nem a remessa da documentação para a Receita Federal e para o Banco Central. Mas, no dia 12 de dezembro, a Anac decide, com base em parecer da procuradoria, encaminhar documentação do processo ao Ministério da Fazenda e ao BC para que eles analisassem toda as alterações contratuais e indicassem eventuais irregularidades.


''Inteligência se sobrepõe à lei''


E-mails do Matlin são analisados em ação judicial


Uma troca de e-mails entre Lap Chan, sócio do fundo de investimentos Matlin Patterson, e o advogado Mark Palmer, do escritório americano Bracewell&Giuliani, foi anexada ao processo da disputa entre os sócios da VarigLog.


Os e-mails estão sendo apresentados como um sinal da "sensação de impunidade" dos investidores estrangeiros, segundo o advogado criminal Helius Nogues Moyano, que representa os sócios brasileiros da VarigLog (Marco Antonio Audi, Marcos Haftel e Luiz Eduardo Gallo), na disputa societária contra o fundo Matlin.


Na correspondência, Lap Chan introduz uma novidade sobre o caso Varig, com uma observação sobre os "mercados emergentes". Em sua resposta, Palmer diz a Lap: "Como você diz, bem vindo ao mundo em tempo real dos mercados emergentes, onde inteligência e rapidez se sobrepõem às leis e normas na definição dos negócios!"

O e-mail foi escrito em 1º de agosto, 11 dias depois de a VarigLog arrematar a Varig.

Para Moyano, o e-mail retrata o estado de espírito dos investidores do Matlin Patterson ao vir para o Brasil. Hoje o Matlin trava uma briga feroz na Justiça de São Paulo com os sócios brasileiros pelo controle da VarigLog.


Tanto o Matlin quanto os sócios brasileiros foram alvo de um pedido de investigação da Justiça paulista, por formação de quadrilha.


Em um parecer do jurista Sérgio Salomão Shecaira, anexado ao processo pelos advogados de Audi, o e-mail entre Lap e Palmer é descrito como sinal de desrespeito às leis brasileiras.


"A chocante indiferença pelas leis e regras de nosso país, comemoradas como se houvesse anomias brutais do sistema jurídico nacional, bem demonstra a natureza e o caráter dos investidores estrangeiros. Verdadeira consciência mórbida da suposta superioridade daqueles que se sentem acima das leis e que olham para o nosso país como uma ?republiqueta das bananas?", escreveu Sheicara no parecer.


A assessoria de imprensa do fundo Matlin Patterson foi procurada, mas não quis se manifestar.


Parecer livrou comprador da Varig de dívidas


Documento está entre os papéis entregues por Denise Abreu ao Congresso


Documentos entregues à Comissão de Infra-Estrutura do Senado pela ex-diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Denise Abreu, mostram que o Procurador Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Luis Inácio Adams, escreveu um parecer em que dizia que os futuros compradores da Varig não herdariam as dívidas bilionárias da companhia.


O parecer de Adams foi emitido logo após a saída de seu antecessor, Manoel Felipe Brandão, que sustentava tese contrária. Brandão dizia que haveria sucessão de dívidas. Segundo Denise , o parecer de Adams foi decisivo para que a VarigLog pudesse comprar a Varig, no leilão organizado pela Justiça.


O parecer de sete páginas, assinado por Adams e outros dois procuradores adjuntos da PGFN, sustenta que a Varig se enquadrava no artigo 60 da Lei de Falências, em vigor desde 2005, que diz que não haverá sucessão de dívidas aos novos donos de uma empresa em recuperação judicial.


Já as maiores companhias aéreas do Brasil diziam que não participariam do leilão porque não haveria como escapar da cobrança de velhas dívidas. Durante a audiência na Comissão de Infra-Estrutura, esse ponto provocou bate-boca entre o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e Denise Abreu.


A oposição sustenta que o artigo 60 da nova lei de falências só poderia valer no caso de venda das filiais da empresa em recuperação judicial.


Um dos argumentos do procurador é o artigo 133 do Código Tributário. Esse dispositivo prevê que o "estabelecimento empresarial em processo de falência ou de recuperação judicial" também não transfere as dívidas ao futuro comprador.


"A modelagem conferida à alienação da Unidade Operacional da Varig se enquadra à perfeição no conceito trespasse de estabelecimento empresarial, variando tão somente a extensão, qualidade e quantidade dos bens e direitos a serem transferido'', diz o parecer.


A Varig tinha uma dívida tributária e com credores avaliada, em 2006, em R$ 7 bilhões. Se houvesse sucessão, quem comprasse a companhia teria de assumir os débitos, o que tornaria inviável o negócio. O parecer da Procuradoria da Fazenda funcionou, na prática, como um "perdão" da dívida da Varig pelo governo.


Matlin usou laranja, diz MPF


Ministério Público pede à PF que investigue a Voloex

Depois de cinco meses de investigação, o Ministério Público Federal pediu à Polícia Federal que investigue o fundo de investimentos americano Matlin Patterson por indício de sabotagem. No parecer, datado de 28 de maio, o MPF diz que o fundo é suspeito de ter usado uma empresa "laranja", a Voloex, para substituir os sócios brasileiros - Marco Antonio Audi, Marcos Haftel e Eduardo Gallo - e, com isso, assumir o controle total da VarigLog.


O procedimento no Ministério Público revela que, em setembro do ano passado, em meio a briga entre o fundo Matlin e os sócios brasileiros, o fundo tentou exercer um contrato de gaveta conhecido como "put and call". Por esse contrato - que está sendo questionado na Justiça -, o Matlin tinha direito a comprar a parte dos sócios brasileiros.

A condição para que o fundo pudesse exercer o contrato era substituir os antigos sócios por outros brasileiros, uma vez que a lei proíbe estrangeiros de serem donos de uma companhia aérea nacional. Ao invés de arrumar novos sócios, a solução encontrada pelo Matlin foi transferir para uma empresa de fachada, a Voloex Participações e Investimentos.


O nome original da Voloex era Health Translating Ltda e se tratava de uma empresa que atuava na venda de livros, com capital social de R$ 1000,00. Em setembro de 2007, ocorreu a troca de sócios da empresa e o aumento de 500 vezes do capital social.


Entre os sócios da Voloex aparece o nome de Chan Luo Wai Ohir, irmã do sócio do fundo Matlin Patterson, Lap Chan. Nascido na China, Lap não tem cidadania brasileira.Duas semanas depois, Luo deixou a sociedade e o argentino Santiago Born, executivo do fundo Matlin, passou a assinar pela empresa.


"Tais fatos ensejam uma investigação mais apurada, dando a entender ser esta uma empresa ?laranja?, criada com o intuito de burlar a lei e servir de escudo para que os sócios estrangeiros permaneçam no total controle da Varig Logística S/A", escreveu a procuradora da República, Elizabeth Mitiko Kobayashi, da 5ª Vara Federal Criminal, no despacho de 28 de maio.


Suspeita de falsificação na VarigLog


Escritório de Roberto Teixeira e o fundo Matlin são acusados de falsificar ata de assembléia de diretoria

O fundo Matlin Patterson e o escritório de Roberto Teixeira são acusados de falsificar a ata de uma assembléia geral da VarigLog de 8 abril de 2008. Nela, é contabilizada a presença de um acionista que diz não ter sido convocado. A assembléia foi realizada para destituir os sócios brasileiros Marco Audi, Marcos Haftel e Luiz Gallo, além do conselheiro Harro Fouquet, do Conselho de Administração, e eleger novos sócios.


Segundo a ata, a Fundação Ruben Berta Participações (FRB Par), detentora de 0,5% das ações, foi representada por seu vice-presidente, João Luis Bernes de Sousa. A ata é assinada pela advogada Larissa Teixeira, filha de Roberto Teixeira, e por Santiago Born, executivo do Matlin Patterson.


Procurado, Sousa negou ter aprovado a destituição e nomeação de conselheiros. "Não aprovei a destituição de ninguém e muito menos nomeei ninguém", disse Sousa, que é ex-presidente da VarigLog. Ele conta que a última vez que entrou na sede da VarigLog em São Paulo foi no dia 4 de abril.


A falsificação de uma ata de assembléia é crime de falsidade ideológica. Segundo o artigo 299 do Código Penal, por ser um documento publico, a pena prevista é de um a cinco anos.


O presidente da Fundação Ruben Berta, César Cury, confirma que a FRB Par não participou nem deu procuração para ninguém representá-la na assembléia. "Não fomos avisados da assembléia nem aprovaríamos o conteúdo dela", disse.

Ele conta que ficou sabendo da assembléia "há poucos dias", quando foi procurado por advogados do escritório de Teixeira para homologar o resultado da assembléia. "Nos procuraram e dissemos que não íamos homologar. No nosso entendimento, isso é ilegal e queremos a anulação do registro dessa assembléia", disse Cury. Ele afirmou ter advogados analisando as medidas cabíveis.


Procurada pelo Estado, a assessoria do Matlin Patterson e do escritório Teixeira, Martins e Advogados declarou que a FRB Par compareceu à reunião, representada por Bernes de Sousa. "Não é verdadeira a afirmação de que não havia ninguém representando a Fundação Rubem Berta. O sr. João Luís Bernes de Sousa, além de ex-presidente da VarigLog, também é membro da fundação e a representou no ato."

O advogado dos sócios brasileiros da VarigLog, Marcello Panella, do escritório Thiollier Advogados, afirmou que pretende enviar a ata da reunião para a 17ª Vara Cível de São Paulo, onde tramita o processo de dissolução societária dos sócios brasileiros e estrangeiros da VarigLog. "A comprovação da falsificação anula todos os atos praticados por essa nova diretoria." A assembléia nomeou para o conselho os empresários Paulo de Tarso Vianna Silveira e Ricardo Vastella Júnior e o consultor Eduardo Artur Rodrigues Silva.


Base aliada tenta evitar depoimento de Roberto Teixeira


A base aliada do governo no Senado descartou ontem ouvir o advogado Roberto Teixeira, compadre do presidente Lula, na Comissão de Infra-Estrutura sobre o caso Varig. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que o depoimento de Denise Abreu, ex-diretora da Anac, não indicou irregularidade na atuação do escritório de Teixeira, que é compadre do presidente Lula.


"O assunto está completamente esgotado. No depoimento ficou demonstrado que a Denise tem uma questão pessoal com a filha do Roberto Teixeira [Valeska], mas isso não vem ao caso. Ela também não mostrou nada que evidencie uma postura irregular do governo. O Roberto Teixeira não precisa vir."


Já a oposição estuda encaminhar ao Ministério Público cópia dos documentos apresentados por Denise como prova de que houve pressão do governo para permitir a venda da Varig à VarigLog. Os oposicionistas não irão insistir em convocar a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) a depor temendo dar a ela palanque como ocorreu no caso do dossiê anti-FHC.


"Por enquanto, não, vamos construir as evidências devagarinho. A Erenice [Guerra, secretária-executiva da Casa Civil], dependendo do que o Teixeira disser, está com um pé dentro, a Dilma é preciso construir evidências. Trazer agora é dar palanque", disse José Agripino Maia (RN), líder do DEM.


A comissão notificou ontem o advogado e os sócios brasileiros da VarigLog para que prestem depoimento na próxima quarta-feira. A assessoria de imprensa do escritório de Teixeira informou que ele sofreu uma cirurgia de angioplastia, deixou o hospital ontem e está em recuperação. Não há informação sobre se irá atender ao convite dos senadores.


Em nota divulgada anteontem, o escritório do advogado informou que "a única pressão exercida na Anac durante o caso Varig foi feita pela Justiça". Denise respondeu ontem, também por meio de nota e de forma lacônica. "Contra fatos não há argumentos."

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