REVISTA VEJA - 21/10/2007
Otávio Cabral e Ricardo Brito
Carlos Eduardo Cardoso/O Dia/AE
Foto Gabriel Lordello
A investigação que levou à cadeia o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, mostrou que não existe negócio melhor no Brasil do que uma boa e, se possível, gigantesca obra pública. Com alguns amigos no governo, um lobista eficiente no Congresso e um estoque de malas e envelopes de apoio, os lucros são vultosos para quem se habilita no ramo. A CPI do Apagão Aéreo, que termina nesta semana no Senado, mostra mais uma vez que a praga da corrupção está na raiz de praticamente tudo o que existe de errado na administração pública. Para tentar entender os motivos que levaram o país a enfrentar uma crise aérea sem precedentes, os parlamentares resolveram investigar a Infraero, empresa responsável pela administração dos aeroportos brasileiros. Descobriram aquilo que se suspeitava. Em apenas quatro anos, 500 milhões de reais foram desviados das obras dos principais aeroportos do país. É dinheiro de impostos que deveria estar amenizando a situação de penúria dos passageiros que viajam de avião, mas que acabou rateado entre empresários, funcionários públicos e corruptos de todos os matizes. A comissão investigou os gastos com a construção e reforma de dez aeroportos. Todas as obras apresentaram irregularidades que vão de direcionamento de licitações a superfaturamento. A CPI pediu o indiciamento de 21 pessoas e listou catorze empreiteiras como responsáveis pelos desvios milionários na Infraero.
Mauricio Lima/AFP
O mecanismo de fraude identificado pelos senadores na Infraero é regido por uma cartilha conhecida, que começa pela indicação dos dirigentes da empresa pública, que selecionam empreiteiras amigas, que superfaturam obras e, por fim, repassam o dinheiro arrecadado para o padrinho político ou o partido, alimentando um ciclo que não tem fim. As dez obras analisadas pela CPI, em regra, seguiram a mesma receita de irregularidades: direcionamento dos editais, alteração de projetos e superfaturamento. A ampliação do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, é exemplar. A licitação foi tão "rigorosa" que apenas um consórcio foi capaz de atender às exigências. Durante a execução da obra, alterações em serviços e em especificações de materiais levaram à assinatura de três aditivos ao contrato inicial. Houve ainda sobrepreço de materiais e alterações no cronograma de execução. Resultado: a União pagou 317 milhões de reais pela obra que deveria ter custado 276 milhões de reais. Há casos muito mais escandalosos. A obra de modernização do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, segundo a CPI, gerou um desfalque estimado em 254 milhões de reais. Como? Aumentando-se o custo de todos os itens em 25%. Os aeroportos de Vitória e de Macapá – este executado pela empreiteira Gautama de Zuleido Veras – apresentaram desvios maiores do que o do Santos Dumont. Também aparecem no relatório como irregulares as obras dos aeroportos de Viracopos (desvio de 3,5 milhões de reais), de Salvador (28,4 milhões), de Goiânia (35,7 milhões) e de Congonhas (12 milhões).
Com base nesse manancial de fraudes, o relatório recomenda o indiciamento de todos os que se beneficiaram ou permitiram que contratos irregulares fossem assinados, prorrogados e honrados. O número 1 da lista é o atual deputado Carlos Wilson, do PT de Pernambuco, que presidiu a Infraero entre 2003 e 2006. Outros quinze funcionários da empresa pública estão na lista dos indiciados. O ex-diretor financeiro Adenauher Figueira Nunes foi demitido por não conseguir explicar de onde saíram 250.000 reais em dinheiro que foram parar em sua conta. O ex-diretor comercial José Welington Moura é acusado de ter ganho um apartamento no bairro de Boa Viagem, no Recife, da empreiteira Queiroz Galvão, responsável pelas obras no aeroporto da cidade. "A apropriação do público pelo privado é tão endêmica na Infraero que, independentemente de quem esteja ocupando os cargos de direção, continua sendo o interesse dos empreiteiros o guia para a definição de prioridades nas obras", afirma em seu relatório o senador Demostenes Torres, do DEM de Goiás, relator da CPI, que vai encaminhar nesta semana suas conclusões ao Ministério Público.
Fotos Ana Araujo
Brasília é a terra prometida dos empreiteiros de obras públicas. Na cidade moram os parlamentares que apresentam as emendas orçamentárias, funcionam os ministérios que enviam o dinheiro para as obras e atuam os lobistas que azeitam os diversos interesses. E, por ser uma cidade monumental, Brasília também é um canteiro de obras permanente. Há dez meses, procuradores da República esquadrinham algumas obras suspeitas executadas na cidade nos últimos anos. Em quatro delas, já foram encontrados desvios superiores a 85 milhões de reais. Curiosamente, os casos envolvem a construção das sedes do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Superior Eleitoral – que ainda está na etapa das fundações – e a sede da própria Procuradoria-Geral da República. "Vamos tentar recuperar o dinheiro desviado", diz a procurador Rômulo Conrado. É uma excelente iniciativa.
No papel, o Brasil tem um extraordinário aparato anticorrupção, formado por órgãos como tribunais de contas, Controladoria-Geral da União, Ministério Público, Polícia Federal e as CPIs do Congresso. Na prática, porém, nada disso tem sido suficiente para conter os corruptos e os corruptores. Segundo Claudio Weber Abramo, diretor da organização Transparência Brasil, corrupção se combate com prevenção e punição. Nenhum desses dois instrumentos, no entanto, é utilizado com eficiência. A legislação frágil e o Judiciário lento favorecem a impunidade, o que incentiva os aventureiros. A promiscuidade entre o público e o privado cria as condições perfeitas para as tramóias. "Governantes e parlamentares sabem as causas e os efeitos nefastos da corrupção, mas não a combatem como deveriam porque não querem, porque se beneficiam dela ou para não perder seus aliados", avalia Abramo. Na semana passada, Zuleido Veras, que ficou preso por apenas treze dias, foi visto no aeroporto de Brasília. De óculos escuros, cabelo bem cortado e a famosa mala na mão, ele desembarcou como um passageiro qualquer. "Corrupto!", gritou um senhor idoso que o reconheceu. Zuleido deu de ombros para o velhinho, entrou num carro e seguiu o caminho que percorre desde a década de 80, quando fez amigos influentes, montou uma empreiteira e ficou rico. A engrenagem não pára.
Otávio Cabral e Ricardo Brito
Carlos Eduardo Cardoso/O Dia/AE
Foto Gabriel Lordello
A investigação que levou à cadeia o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, mostrou que não existe negócio melhor no Brasil do que uma boa e, se possível, gigantesca obra pública. Com alguns amigos no governo, um lobista eficiente no Congresso e um estoque de malas e envelopes de apoio, os lucros são vultosos para quem se habilita no ramo. A CPI do Apagão Aéreo, que termina nesta semana no Senado, mostra mais uma vez que a praga da corrupção está na raiz de praticamente tudo o que existe de errado na administração pública. Para tentar entender os motivos que levaram o país a enfrentar uma crise aérea sem precedentes, os parlamentares resolveram investigar a Infraero, empresa responsável pela administração dos aeroportos brasileiros. Descobriram aquilo que se suspeitava. Em apenas quatro anos, 500 milhões de reais foram desviados das obras dos principais aeroportos do país. É dinheiro de impostos que deveria estar amenizando a situação de penúria dos passageiros que viajam de avião, mas que acabou rateado entre empresários, funcionários públicos e corruptos de todos os matizes. A comissão investigou os gastos com a construção e reforma de dez aeroportos. Todas as obras apresentaram irregularidades que vão de direcionamento de licitações a superfaturamento. A CPI pediu o indiciamento de 21 pessoas e listou catorze empreiteiras como responsáveis pelos desvios milionários na Infraero.
Mauricio Lima/AFP
O mecanismo de fraude identificado pelos senadores na Infraero é regido por uma cartilha conhecida, que começa pela indicação dos dirigentes da empresa pública, que selecionam empreiteiras amigas, que superfaturam obras e, por fim, repassam o dinheiro arrecadado para o padrinho político ou o partido, alimentando um ciclo que não tem fim. As dez obras analisadas pela CPI, em regra, seguiram a mesma receita de irregularidades: direcionamento dos editais, alteração de projetos e superfaturamento. A ampliação do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, é exemplar. A licitação foi tão "rigorosa" que apenas um consórcio foi capaz de atender às exigências. Durante a execução da obra, alterações em serviços e em especificações de materiais levaram à assinatura de três aditivos ao contrato inicial. Houve ainda sobrepreço de materiais e alterações no cronograma de execução. Resultado: a União pagou 317 milhões de reais pela obra que deveria ter custado 276 milhões de reais. Há casos muito mais escandalosos. A obra de modernização do Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, segundo a CPI, gerou um desfalque estimado em 254 milhões de reais. Como? Aumentando-se o custo de todos os itens em 25%. Os aeroportos de Vitória e de Macapá – este executado pela empreiteira Gautama de Zuleido Veras – apresentaram desvios maiores do que o do Santos Dumont. Também aparecem no relatório como irregulares as obras dos aeroportos de Viracopos (desvio de 3,5 milhões de reais), de Salvador (28,4 milhões), de Goiânia (35,7 milhões) e de Congonhas (12 milhões).
Com base nesse manancial de fraudes, o relatório recomenda o indiciamento de todos os que se beneficiaram ou permitiram que contratos irregulares fossem assinados, prorrogados e honrados. O número 1 da lista é o atual deputado Carlos Wilson, do PT de Pernambuco, que presidiu a Infraero entre 2003 e 2006. Outros quinze funcionários da empresa pública estão na lista dos indiciados. O ex-diretor financeiro Adenauher Figueira Nunes foi demitido por não conseguir explicar de onde saíram 250.000 reais em dinheiro que foram parar em sua conta. O ex-diretor comercial José Welington Moura é acusado de ter ganho um apartamento no bairro de Boa Viagem, no Recife, da empreiteira Queiroz Galvão, responsável pelas obras no aeroporto da cidade. "A apropriação do público pelo privado é tão endêmica na Infraero que, independentemente de quem esteja ocupando os cargos de direção, continua sendo o interesse dos empreiteiros o guia para a definição de prioridades nas obras", afirma em seu relatório o senador Demostenes Torres, do DEM de Goiás, relator da CPI, que vai encaminhar nesta semana suas conclusões ao Ministério Público.
Fotos Ana Araujo
Brasília é a terra prometida dos empreiteiros de obras públicas. Na cidade moram os parlamentares que apresentam as emendas orçamentárias, funcionam os ministérios que enviam o dinheiro para as obras e atuam os lobistas que azeitam os diversos interesses. E, por ser uma cidade monumental, Brasília também é um canteiro de obras permanente. Há dez meses, procuradores da República esquadrinham algumas obras suspeitas executadas na cidade nos últimos anos. Em quatro delas, já foram encontrados desvios superiores a 85 milhões de reais. Curiosamente, os casos envolvem a construção das sedes do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior do Trabalho, do Tribunal Superior Eleitoral – que ainda está na etapa das fundações – e a sede da própria Procuradoria-Geral da República. "Vamos tentar recuperar o dinheiro desviado", diz a procurador Rômulo Conrado. É uma excelente iniciativa.
No papel, o Brasil tem um extraordinário aparato anticorrupção, formado por órgãos como tribunais de contas, Controladoria-Geral da União, Ministério Público, Polícia Federal e as CPIs do Congresso. Na prática, porém, nada disso tem sido suficiente para conter os corruptos e os corruptores. Segundo Claudio Weber Abramo, diretor da organização Transparência Brasil, corrupção se combate com prevenção e punição. Nenhum desses dois instrumentos, no entanto, é utilizado com eficiência. A legislação frágil e o Judiciário lento favorecem a impunidade, o que incentiva os aventureiros. A promiscuidade entre o público e o privado cria as condições perfeitas para as tramóias. "Governantes e parlamentares sabem as causas e os efeitos nefastos da corrupção, mas não a combatem como deveriam porque não querem, porque se beneficiam dela ou para não perder seus aliados", avalia Abramo. Na semana passada, Zuleido Veras, que ficou preso por apenas treze dias, foi visto no aeroporto de Brasília. De óculos escuros, cabelo bem cortado e a famosa mala na mão, ele desembarcou como um passageiro qualquer. "Corrupto!", gritou um senhor idoso que o reconheceu. Zuleido deu de ombros para o velhinho, entrou num carro e seguiu o caminho que percorre desde a década de 80, quando fez amigos influentes, montou uma empreiteira e ficou rico. A engrenagem não pára.
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