domingo, 8 de junho de 2008

GENOCÍDIO LEGAL

Monday, June 25, 2007


APOSENTADOS E PENSIONISTAS DA VARIG SÃO MAIS DE 8.500 BRASILEIROS AO DEUS DARÁ.

PROBLEMA DELES? NÃO. O PROBLEMA É MEU, É SEU E DE TODOS OS BRASILEIROS QUE SE PREOCUPAM COM O FUTURO DO BRASIL.

DEPOIS DE DESTRUIREM AS ANTIGAS E TRADICIONAIS EMPRESAS AÉREAS - TROCANDO-AS DE MÃOS - OS PLANOS CONTINUAM. AGORA, O ALVO É O CONTROLE DE TRÁEGO AÉREO.

TUDO INDICA QUE ESTA NOVA ETAPA SERÁ IGUALMENTE BEM SUCEDIDA.



Caríssima, nesta hora, faço-lhe um chamamento humano: é que nos próximos dias, autoridades governamentais certamente estarão examinando o problema ora relatado, que está encurtando dias de nossas vidas: POR FAVOR, AJUDEM-NOS! É UM CLAMOR QUE LHE DIRIJO EM NOME DOS MEUS COLEGAS, MUITOS DOS QUAIS, GRANDEMENTE SOFRIDOS, PRÓXIMOS ÀS SUAS ÚLTIMAS MORADAS, ESPERAM VER UM GESTO SOLIDÁRIO, QUE LHES FAÇA GUARDAR A CERTEZA DE QUE VALEU A PENA LEGARMOS UMA VIDA DIGNA ÀS FUTURAS GERAÇÕES”.

O apelo foi feito a mim por um senhor de quase 70 anos de idade – cujo nome deve ser preservado – que teve seu único emprego na VARIG, onde trabalhou de 1960 a 1993, quando se aposentou na função de Gerente de um setor super qualificado. Ele também é beneficiário da entidade de Previdência Privada Instituto Aerus de Seguridade Social e se diz enormemente penalizado pela atual situação dos pensionistas do fundo, que vêm tendo seus proventos enormemente reduzidos, já há alguns anos. Embora seja hiper-tenso (controlado), teve que abdicar, entre outras coisas, do plano de saúde que possuía, para cortar despesas. Mesmo assim, hoje, não lhe restam condições financeiras para adquirir nem mais os custosos remédios que lhe mantém vivo.

E o gerente aposentado continua: “A terrível angústia em que vivemos ainda não motivou a nos atirarmos de algum viaduto, principalmente pela fé em Deus que temos. Nesse sentido, salvo algum desespero extremo isolado, os sofrimentos que têm levado muitos colegas à morte são inerentes às graves seqüelas que lhes têm acometido nesta difícil quadra da vida”.

O senhor tem razão. E não são só os idosos que estão morrendo. Filho do antropólogo Roberto da Matta, o piloto Rodrigo da Matta, que estava bem de saúde, segundo os exames que a atividade profissional exige a cada ano, morreu, aos 44 anos, fulminado por um infarto, na semana em que o pai festejaria seus 70 anos, em julho de 2006. O problema foi que, muito provavelmente, o coração de Rodrigo não tenha resistido às aflições pelas quais atravessava o comandante e sua família. Sem ver um tostão desde abril, ele poderia estar entre os seis mil funcionários da VARIG que iriam ser demitidos e tratados como se nunca tivessem trabalhado na empresa. Tudo dentro da Lei de Recuperação de Empresas, criada em 2005.

É uma estória digna de ser contada pelas tão ricamente produzidas minisséries da Globo ou por nossos cineastas, que costumam usar o dinheiro dos brasileiros para produzir filmes que enaltecem a “luta”, no passado, de muitos dos homens que estão, hoje, dentro ou em volta do Palácio do Planalto e do Congresso, transformando o país neste caldeirão de corrupção, de ingovernabilidade e de apologia do retrocesso político e econômico.

A Varig, é bom que se lembre, era a única companhia brasileira em condições de real competição com as grandes empresas aéreas estrangeiras. Apesar disso, não conseguiu ajuda do governo (que devia à Varig cerca de R$ 6 bilhões). Como se fosse pouco, a empresa não teve sua falência decretada, o que acabou dificultando o recebimento de indenizações trabalhistas pelos funcionários que perderam seus empregos ou que ficaram encostados. Há uma seqüência de golpes nas companhias de aviação do Brasil, que, agora, com o desmantelamento da Varig, vai acabar tornando insustentável e infernal a prestação de serviços de transportes aéreos no país. Sim, porque, deveria ser sabido por todos que não se faz uma companhia de aviação séria de um dia para o outro.

O mercado não teria – e ainda não tem - como absorver todos os profissionais que perderam seus empregos, principalmente nos ramos em que se especializaram. E, com certeza, os que forem reabsorvidos pelas outras empresas aéreas terão seus salários bastante diminuídos. Não há como a TAM e a Gol poderem suprir os 208 vôos diários, em 137 aeroportos brasileiros e 18 países servidos pela Varig. E os passageiros estarão expostos a um oligopólio que terá as mãos livres para mandar as tarifas para a estratosfera. Isso já aconteceu, recentemente, com as passagens aéreas para o exterior.

Com a redução dos vôos internacionais da Varig – inclusive com a suspensão temporária dos mesmos, depois da venda da companhia -, viajar para o exterior ficou mais difícil e mais caro. Com a procura aumentada em razão do baixo valor do dólar e com a menor oferta de assentos, as empresas aéreas cortaram os descontos. Isso para não falar do desconforto a que ficaram expostos os milhares de brasileiros que precisam viajar pelo país, ao terem que fazer, às vezes, mais de duas escalas – em vôos que, em um número cada vez maior de casos, nem ao menos diários são – para ir de uma capital a outra. Em passado recente, o cidadão poderia ir do Rio de Janeiro e de São Paulo para qualquer capital dos Estados brasileiros, em vôos diários – muitos deles sem escalas.

O deputado estadual Paulo Ramos (PDT-RJ), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que investiga o processo de venda da Varig já declarou que “a decisão política de extinguir a Varig já estava tomada, para que um resultado adrede preparado fosse alcançado". Ele exibiu documentos trazidos à CPI por João Raymundo Cysneiros Vianna, primeiro administrador judicial da empresa, ainda em 2005, quando havia muitas esperanças quanto à possível recuperação da VARIG e do Aerus. Em seu depoimento, Vianna disse que os diretores da Varig não davam a mínima importância às determinações da Justiça e que ele se queixou disso ao Judiciário - por escrito - e que os juízes, por sua vez, não só ignoraram as queixas como ainda o teriam afastado do cargo por este motivo.

Ora, o transporte aéreo é administrado pelo poder público e nada acontece sem a interferência dos órgãos governamentais. A base legal para que o governo ajudasse a Varig estava no artigo 188 do Código Brasileiro de Aeronáutica, que dá ao Governo Federal o poder de intervir em empresas aéreas quando a situação financeira, econômica ou operacional das mesmas ameaçar a continuidade dos serviços, a eficiência ou a segurança do transporte aéreo. O governo petista, portanto, pode ser, sim, co-responsabilizado pela sangria da Varig – assim como também, os representantes no poder legislativo, que não procederam a uma investigação que tanto se fazia necessária.

Por outro lado, a alegação de que a Varig tenha pago exclusivamente por seus erros era, e continua sendo, coisa de gente que, ou não sabe ou finge que não sabe que, desde o governo Collor, a empresa, e não somente ela, vinha sendo bombardeada. Começou em 1991, quando, numa dessas negociatas que nós brasileiros já estamos cansados de ver, a VASP, então a segunda maior transportadora brasileira, com uma frota de 31 aviões, foi parar nas mãos de Wagner Canhedo, que se apoderou de 60% das ações da empresa, por US$ 44 milhões. Collor autorizou, na época, linhas internacionais, não só para a VASP, como também para a Transbrasil e para a TAM. Pouco tempo depois, a VASP foi levada à falência e Canhedo chegou a passar alguns dias na cadeia.

Não foi diferente com a Transbrasil, cujo presidente, Antônio Celso Cipriani, esbanjava riqueza, enquanto a empresa registrava uma dívida de R$ 900 milhões. Entre os credores, estavam a Infraero (de R$ 2 milhões), a Shell, a Receita Federal, os ex-funcionários da companhia e a General Electric Capital, que pediu a falência da empresa aérea, aparentemente, por não ter recebido os US$ 2,7 milhões que eram devidos pela Transbrasil. A empresa também devia, ao INSS, R$ 422 milhões. Em março de 2005, por causa de parte desta dívida, Cipriani foi condenado pela 4ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, a dois anos e quatro meses de prisão, em regime aberto, por crime de apropriação indébita de R$ 10,2 milhões, no período entre março de 2000 e outubro de 2001. O tempo de pena foi convertido em prestação de serviços comunitários e doação de 50 salários mínimos, para instituição definida pela Justiça Federal de São Paulo, e uma multa de mais 120 salários mínimos. Achou pouco? Pois é. Ex-agente do DOPS e, depois, entre outras coisas, dono da Transbrasil, Cipriani trabalhou na campanha de Lula em 2002. Em 2004, ele apareceu na lista de envolvidos na CPI do Banestado, porque, segundo membros da Comissão, teria enviado ao exterior pelo menos US$ 25 milhões. Não deu em nada.

Mas, não há como negar que o endividamento da Varig também tenha sido fruto de uma série de maus negócios realizados pelas sucessivas administrações da empresa e pela incapacidade de sua controladora - a Fundação Ruben Berta (FRB) (*) - de cobrar resultados desses administradores. Todas as consultorias que examinaram o assunto, sem exceção, apontaram a má gestão corporativa como responsável pela crítica situação da Varig. Embora tenha sido solicitada sistematicamente, durante anos, a FRB não apresentou nenhum plano de recuperação para a empresa e ainda dificultou qualquer que fosse o plano de reestruturação proposto pela associação dos trabalhadores da Varig.

O documento, que ficou conhecido como o Dossiê da Perseguição Política na Varig, produzido pelas Associações de Trabalhadores que integravam o corpo funcional da Varig continha toda a documentação que comprovava as práticas administrativas abusivas utilizadas pelos gestores da Fundação Ruben Berta e pelas diretorias que passaram pela empresa desde 2002. O documento afirmava que “Com o objetivo de impedir quaisquer discussões que ameacem o poder absoluto dentro da Varig, as administrações vêm utilizando métodos terroristas para intimidar os funcionários, demitindo sumariamente lideranças das associações (**), para desorganizar... a sua organização associativa, sempre voltada para a discussão das questões profissionais do grupo de trabalho”.

O documento dizia ainda que a retaliação por parte da diretoria da Varig estendeu-se às entidades representativas dos trabalhadores – APVAR, ACVAR (Associação dos Comissários) e AMVVAR (Associação dos Mecânicos de Vôo) -, das quais foram cortados os recursos diretos, que eram obtidos com o desconto, em folha de pagamento dos sócios, e com os quais financiavam a mobilização dos funcionários em defesa da companhia. O mesmo procedimento foi adotado pelo Instituto de Seguridade Aerus, cuja diretoria é indicada pela Varig, em relação à Associação dos Participantes e Beneficiários do Aerus (APRUS), que reúne os aposentados da Varig, todos com idade entre 60 e 90 anos.

Como já decidiu o STJ – e isso já tem tempo - Varig, Transbrasil e Vasp foram à lona em conseqüência de uma desastrosa política de congelamento tarifário, numa área que operava segundo as regras do mercado internacional, durante o governo do ex-presidente José Sarney. O que acabou, em última instância, por beneficiar as novas concorrentes que iam surgindo e que atualmente bi-monopolizam o mercado. No caso da Transbrasil, que venceu no STF em 1997, foi feito um acordo com o governo, em 1999, e a indenização ficou em R$ 725 milhões (valores de 1998), que foi trocada por débitos com a Receita Federal, a Previdência Social, a Infraero e o Banco do Brasil.

A Varig iniciou seu processo contra a União, na mesma época, e a vitória em primeira instância aconteceu em 1995, concedendo à empresa uma indenização calculada em R$ 2,23 bilhões. Em 1999, o Tribunal Regional Federal de Brasília confirmou a decisão, pelas mãos da então desembargadora Eliane Calmon – hoje ministra do STJ. Em 2004, o pleito chegou ao STJ e o relator, ministro Francisco Falcão, confirmou a sentença da desembargadora. Foi quando o ministro Luiz Fux pediu vistas. Voltando à 1ª Turma, a maioria acompanhou o voto do relator. Então, esperava-se que a matéria fosse para o STF. Mas, a Advocacia Geral da União entrou com o agravo regimental. A Primeira Seção do STJ rejeitou o agravo para reverter decisão da Primeira Turma que garantia indenização devida à Varig. Interrompido desde o dia 22 de novembro de 2006, o julgamento recomeçou em 25 de abril deste ano. Hoje, a velha Varig tem direito a R$ 6 bilhões, em números atualizados pelo ministro Herman Benjamin.

Em novembro de 2005, a AERO LB, sociedade com participação indireta da TAP (empresa de aviação portuguesa), do fundo nacional Stratus e da GEOCAPITAL (companhia chinesa com sede em Macau), adquiriu do Grupo VARIG – então presidido por Omar Carneiro da Cunha - 90% das ações ordinárias da VARIG ENGENHARIA E MANUTENÇÃO (VEM) e 95% das ações ordinárias da VARIG LOG, por US$ 62 milhões. A AERO LB, por sua vez, passou 95% da VARIG LOG, por US$ 48,2 milhões, para a Volo do Brasil – empresa criada pela associação dos empresários brasileiros Marco Antonio Audi, Marcos Haftel e Luis Eduardo Gallo com o Fundo de Pensão norte-americano Matlin Patterson, representado pelo chinês Lap Chan.

De posse da VARIG LOG, em junho/julho de 2006, o grupo de Lap Chan convidou Omar Carneiro da Cunha, o ex-presidente da VARIG, para a vice-presidência do Conselho de Administração da empresa, com a missão de, em parceria com o advogado Roberto Teixeira – o compadre de Lula -, viabilizar a compra de toda a VARIG. (Está lá, na revista Isto É, de 5/07/2006). Mas, havia mais gente interessada na Varig, entre eles, os funcionários da empresa, representados pela associação dos Trabalhadores do Grupo Varig (TGV). Eles ofereceram seus créditos trabalhistas e venceram o leilão para a compra da companhia. Mas, tiveram que esperar 11 dias para ter seu lance confirmado. Nesse período, enfrentaram a desenfreada campanha na mídia para desmoralizar a empresa – o que pode ter afastado prováveis aliados – e receberam uma notificação de 41 milhões de reais de uma dívida da Rio Sul (empresa da velha Varig) com o INSS.

A Justiça exigira dinheiro de quem adquirisse a Varig no leilão. Dando os créditos sobre seus direitos trabalhistas e sobre dívidas da União para com a empresa, os empregados da Varig foram buscar dinheiro em Santiago do Chile, com a LanChile e com o banco suíço UBS, com os quais já negociavam em segredo. Não deu tempo para eles. Enquanto fechavam negócio, a Justiça anulou o leilão e determinou um novo, no qual, com um plano de desembolso total de US$ 505 milhões, entre dívidas e investimentos, e com um lance de apenas US$ 24 milhões – que foi homologado em horas, e não 11 dias depois, como no caso do lance dos empregados -, a VARIG LOG, de Lap Chan, como a única empresa a participar do leilão, arrematou a VARIG, em 20/07/2006.

A aquisição deu origem à Aéreo Transportes Aéreos, rebatizada de VRG – a nova VARIG -, criada para assumir os ativos da antiga VARIG e que ficou com, além das as marcas Varig e Rio Sul, com as rotas domésticas e internacionais. A antiga Varig ficou com um avião, com a linha São Paulo-Porto Seguro e com as operações da Nordeste. A nova empresa, embora a legislação trabalhista imponha que esta deva assumir todos os débitos da predecessora – que, inclusive devem ser pagos em dinheiro – ficou (supostamente) eximida de suas obrigações trabalhistas, com base na Lei de Recuperação de Empresas.

Dessa forma, a nova Varig demitiu 6 mil funcionários da antiga empresa e deixou outros 3.800 como sobreviventes. O Sindicato dos Aeronautas tratou tão somente das autorizações para sacarem o fundo de garantia e para recorrerem ao auxílio desemprego. O principal, que soma mais de R$ 300 milhões (mais de R$ 106 milhões, só em salários atrasados, e R$ 230 milhões em verbas rescisórias), fica para quando a nossa notoriamente rápida e eficiente Justiça determinar – a previsão é a de que os filhos dos filhos dos filhos dos atuais implicados consigam receber o que lhes é devido hoje. Não é só isso. Os aposentados do Aerus podem ter suas pensões confiscadas com a liquidação do fundo, até porque eles já vêm sendo surrupiados há muito tempo (***).

A partir daquela data, pilotos, comissários, agentes, recepcionistas, atendentes e outros profissionais especializados, que já estavam trabalhando sem receber havia meses, ficaram ao Deus dará, sem ter mais como sustentar nem a si nem a seus familiares. Minto. Três aeromoças foram brindadas com a incrível oportunidade de posarem nuas para uma revista masculina de circulação nacional. Currículos: uma delas (26 anos) era formada em Relações Internacionais, além de falar inglês e alemão; outra (27 anos) era formada em Fisioterapia; e a terceira (30 anos) era formada em turismo e fluente em inglês e italiano. Sem comentários. Também não demorou e os novos proprietários da Varig começaram a deixar milhares de passageiros a ver navios nos aeroportos do país – são mais de 6 milhões devidos a eles, só em milhas.

Oito meses depois de toda essa transação e de gastar cerca de U$ 140 milhões na nova companhia, o fundo Martin Patterson, através de Lap Chan, revendeu a VRG à Gol Linhas Aéreas Inteligentes, por U$ 324 milhões. Na verdade, desde janeiro de 2006, Chan já tinha a missão de encontrar uma empresa que assumisse a Varig. O escalado para negociar o “repasse” da companhia foi o advogado e compadre de Lula, Roberto Teixeira. Mas, a Varig teve de se livrar de Teixeira, em função de uma auditoria interna realizada pela administração da época, segundo a qual ele seria beneficiário de um contrato, a título de serviços de consultoria, que lhe garantiria R$ 450 mil, divididos em três parcelas, e 15% do total dos créditos da empresa (cerca de R$ 105 milhões), caso a manobra desse certo. Mesmo com a suspensão do contrato, Teixeira teria recebido pelo menos R$ 300 mil pelo trabalho que já realizara. (Está lá, na revista Exame, de 23 de março de 2006). Entretanto, na audiência em que foi selado o acordo de compra da Varig, entre Lula e o presidente da Gol, Constantino de Oliveira Júnior, Teixeira estava lá – desta vez, acompanhando Constantino, que, aliás, acentuou, à época, a participação do advogado em declarações à imprensa.

A operação de compra da Varig pela Gol não deve encontrar obstáculos na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e nem no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Porém, o mais novo dono da agora VRG poderá enfrentar problemas. O primeiro deles é com a Comissão de valores Imobiliários (CVM) que divulgou, recentemente, informações de que o vice-presidente financeiro da Gol, Richard Lark, pode ter favorecido investidores pelo fato de ter omitido dados ao mercado. Outro problema é com a aérea Nordeste (que ficou com a antiga Varig). Se ela for à falência, a Gol poderá tornar-se a herdeira dos R$ 7 bilhões de passivos contabilizados.

Ainda há mais outro problema, que é com a sucessão do passivo trabalhista, cuja dívida já está estimada em R$ 1 bilhão, e que ainda está em debate na Justiça. Depois da compra, a Gol já está sendo acionada em pelo menos 17 ações trabalhistas movidas por ex-funcionários da velha Varig. No Rio, existem 98 outras ações trabalhistas abertas contra a VRG ou contra suas ex-controladoras - a VarigLog e a Volo do Brasil. Essas ações podem, agora, incluir a Gol como ré. A empresa julga estar livre de qualquer ação trabalhista por causa do artigo 60 da Lei de Recuperação de Empresas que trata justamente de sucessão de dívidas. Já é consenso, realmente, que essa lei permite interpretações divergentes a respeito dos compromissos com ex-empregados; mas, por outro lado, ainda não existe jurisprudência sobre a questão trabalhista em casos que envolvam companhias em recuperação judicial.

Ao contrário de tudo o que aconteceu no Brasil, governos de todo o mundo têm socorrido suas empresas aéreas, estatais ou não. Aqui, o BNDES, por exemplo, já cansou de socorrer empresas privadas. Recentemente, só para citar um dos milhares de exemplos, socorreu a Volkswagen. Mas, com relação à Varig, parece que tudo o que se tentou nesses últimos anos foi vender a empresa e livrar os possíveis compradores das obrigações trabalhistas, sem que perdessem, é claro, a marca consagrada há 80 anos e as reservas para pousos e decolagens (os slots) nos aeroportos do Brasil e do mundo.

Mas, ninguém dá ponto sem nó. Está lá, no Alerta Total. O governo petista, que criou todas as dificuldades possíveis e imagináveis para salvar a Varig, teria obtido vantagens, no mínimo curiosas, com a compra da Nova Varig pela Gol. Algumas delas seriam, por exemplo, o compromisso de a Gol em não cobrar créditos da União e de não reivindicar as perdas financeiras com o apagão aéreo. O empresário Constantino de Oliveira, fundador da GOL e pai do atual presidente da empresa declarou à imprensa que Lula o havia pedido para “dar um jeito na Varig”. Todas as negociações oficiais entre o governo e a empresa foram conduzidas abertamente por dois homens próximos ao presidente: Roberto Teixeira (já citado) e o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia. Já as partes ocultas da negociação teriam ficado a cargo do ex-ministro José Dirceu.

Para quem não se lembra, já na CPI do Mensalão, o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) disse, em seu depoimento, que o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza "esteve três ou quatro vezes com o ex-ministro português Antônio Mexia, em nome de José Dirceu, para negociar a Varig", com o objetivo de estabelecer uma parceria com TAP. Não é que a vontade do ex-ministro acabou vindo a prevalecer, pelo menos parcialmente?! TAM e Gol, que sempre priorizaram o mercado paulista, ao contrário da Varig, que fazia vôos reconhecidamente deficitários que integravam cidades de todo o país, foram lucrando e crescendo no espaço deixado pela Vasp e pela Transbrasil. As duas emergentes empresas acabaram, pois, dividindo a VARIG entre si: a Varig e a VarigLog acabaram ficando com a Gol e a VEM (Manutenção e Engenharia) foi adquirida da Varig pela Tap, por U$ 24 milhões.

Cabe lembrar, inclusive, que a posição do governo atual em relação à Varig pode não ter sido por acaso. Primeiro, houve o conflito da empresa com a Consultoria Trevisan, de um dileto amigo de Lula, quando a VARIG foi levada ao pânico ao ser divulgado um plano de parcelamento, em 35 anos, da dívida que a Trevisan tinha com a empresa. Depois, como já foi citado, a Varig teve de se livrar de Roberto Teixeira. Sobre o posicionamento capcioso do governo, o presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo e membro do Conselho Nacional de Turismo, Cláudio Magnavita, escreveu um artigo que foi publicado pelo Jornal do Brasil, em 4 de maio de 2005, em que relacionava dados sobre os principais absurdos que vitimaram a Varig, como por exemplo os fatos de a companhia: 1) ter conseguido, em 2004, um lucro operacional de R$ 430 milhões, depois de ter faturado cerca de R$ 8 bilhões (62% da receita de todas as empresas nacionais juntas); 2) estar voando para o exterior com seus aviões lotados; 3) ter ganho no STJ uma ação contra a União de R$ 3 bilhões, sem conseguir receber o pagamento; e 4) não ter tido o apoio do governo federal como moderador nas relações com a Infraero e de este ter atuado na crise como se “uma parte do mesmo estivesse pró-Gol e a outra pró-Tam.
Hoje, os aposentados e pensionistas da Varig estão ao Deus dará. Promessas são a única coisa que conseguem do governo. Muitos já morreram. É um genocídio - porém, dentro da maior legalidade. Uma covardia com pessoas que trabalharam uma vida inteira e que, agora, estão abandonadas pelo Estado. Minha tristeza é que a única coisa que posso fazer é continuar escrevendo, escrevendo e escrevendo.
Christina Fontenelle
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(*) A Fundação Ruben Berta, controladora da companhia, tinha como principal objetivo prover o bem-estar dos funcionários de um conglomerado de empresas criadas a partir de um tronco principal: a VARIG. A criação da holding FRB-Par, destinada a cuidar permanentemente dos investimentos no Grupo, entre outras vantagens, permitiu maior transparência para divulgação de cada empresa; foco em cada atividade de negócios; autonomia de decisões; maximização do retorno aos acionistas e criação de oportunidades de captação de investimentos.

O Grupo FRB-Par controlava, ao todo, 14 empresas: 1) VARIG S/A (Viação Aérea Rio-Grandense) que controla a VARIGLOG, a PLUNA e a VEM; 2) VARIG Participações em Transportes Aéreos S.A. (VPTA) que controla a RIOSUL, e NORDESTE; 3) VARIG Participações em Serviços Complementares S.A. (VPSC) que controlava a SATA, REDE TROPICAL HOTELS E RESORTS BRASIL e AMADEUS BRASIL.

A Fundação Ruben Berta foi uma grande idéia jogada fora pela falta de responsabilidade e de comprometimento de quem a administrou. Foi idealizada em 1945 por Ruben Martin Berta, seu presidente na época, que se inspirou nas leituras do Contrato Social de Rousseau e da Encíclica Rerum Novarum. O capital majoritário foi doado para a constituição da Fundação dos Funcionários Varig, assentando-se como finalidade institucional da Fundação a promoção do bem-estar social dos funcionários da Varig. Com a morte de Ruben Berta, a Fundação recebeu seu nome, mas, aumentou também a disputa pelo poder político-econômico.

Com o tempo, formou-se um verdadeiro império de poder dentro da FRB. A Fundação Ruben Berta chegou a ser detentora de 87% das ações de controle da Varig e de 55% do capital total da empresa. As demais ações eram pulverizadas. O Colégio Deliberante da Fundação, outrora representativo dos funcionários-beneficiários que, depois de alterações em seu Estatuto, tiveram o acesso ao seu quadro restrito, já que passaram a depender do aval da alta direção da FRB para participação no órgão.

(**) O questionamento da decisão de demitir pilotos na Varig e, depois, fazer uma contratação de pilotos na Rio-Sul e Nordeste, no ano de 2002, foi motivo para a demissão de 3 2 pilotos, entre eles toda a diretoria da APVAR (Associação de Pilotos da Varig) e a Comissão de Negociação, em fevereiro daquele ano. Esses pilotos foram demitidos por alegada "justa causa" e tiveram seus retratos colocados nos postos de polícia dos aeroportos brasileiros, numa das maiores afrontas às liberdades democráticas em vigência neste país. Em setembro daquele ano, outros 31 pilotos foram demitidos, em conseqüência do questionamento que se fazia aos números declarados da dívida da empresa para com o Fundo de Pensão Aerus. O total de 6 3 pilotos demitidos demonstra o comportamento da administração da empresa, intencionalmente voltado para esconder a gravidade do quadro econômico-financeiro, ainda que para isso tenham lançado mão de métodos fascistas para "silenciar" a voz dos trabalhadores .

(***) O Aerus foi fundado em 1983, para proporcionar maior segurança e bem-estar aos trabalhadores da aviação, no momento da aposentadoria, por tempo de serviço ou por incapacidade para o trabalho. No caso dos funcionários da Varig, quem aderisse ao Fundo tinha um desconto mensal compulsório no salário e a empresa aérea participava com um percentual. Os trabalhadores que ingressaram na Varig a partir da fundação do Aerus assinavam um termo de adesão compulsória ao Fundo.

A criação do Aerus também foi incentivada pelo governo, através do repasse de 3% do valor das passagens domésticas. Este incentivo foi cancelado no Governo Collor. A partir dos anos 90, a Varig começou a atrasar sua contribuição para o Fundo, mas, os funcionários, contudo, continuaram sendo descontados. A Varig chegou a fazer quatro repactuações da dívida com o Aerus. Em 1º de janeiro de 2003, a Varig extinguiu os Planos de Aposentadoria Aerus, deixando, portanto, de contribuir com o Fundo de Pensão. Hoje, a dívida da Varig para com o Aerus é de R$ 1,5 bilhão. O déficit, em torno de R$ 1 bilhão. Já o patrimônio do Aerus, próximo a R$ 1 bilhão, é constituído, em 50%, de imóveis que não têm liquidez.

No caso dos fundos atuais, tal como aconteceu com o dos aeronautas, eles começaram a mudar de figura a partir da influência dos fundos estrangeiros, ainda no período FHC, mas ganharam corpo quando Luiz Gushiken, amigo de Lula, passou a ditar as regras sob inspiração de Stanley Gacek, o homem da previdência privada sindical dos EUA. A grande mudança impõe a substituição do benefício definido pela contribuição definida. No primeiro caso, o fundo poupava e operava com compromissos claros e o participante sabia que, ao se aposentar, teria a complementação necessária para manter pelo menos 90% de sua renda assalariada. No segundo caso, que está sendo imposto nas repactuações, o empregado sabe quando vai pagar e quanto pagará à patrocinadora. Mas, na hora de receber, vai depender do desempenho do fundo. Isso se ele e a patrocinadora não ficarem insolventes, como aconteceu com os fundos dos aeronautas e ferroviários.

No caso dos trabalhadores em aviação, desde 1991, os fundos vêm sendo minados, a partir do momento em que o governo retirou sua contribuição de 3% - valor que era incluído no valor da passagem. O esvaziamento do Aerus se agravou em 2002, com o estabelecimento da modalidade de contribuição definida, para diminuir os compromissos das patrocinadoras. Nesse ano, a Varig encerrou sua participação contributiva para o Aerus (de forma irregular, posto que a Lei não permite afastamento da patrocinadora sem que antes sejam quitados os débitos existentes). Na verdade, os benefícios do Aerus pagos aos aposentados e pensionistas começaram a sofrer reduções, que chegaram até a 40% do que teriam direito, por causa de cálculos em função de gestões sobre as quais eles não tiveram nenhuma responsabilidade. Em julho de 2005, o governo impôs ao Aerus um Administrador Especial para os Planos Varig, teoricamente, para saneá-los e para resguardar os direitos dos participantes e dos assistidos. Nessa época, os participantes do Aerus (Varig e Transbrasil) foram brindados com a informação de que sofreriam, em fevereiro e março, novos cortes nos seus já minguados benefícios, por causa de uma dívida de R$ 78 milhões do fundo com a Receita Federal – prejuízo esse que deveria ser rateado por todos os aposentados e pensionistas.

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