quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Brasil pode ser punido por revelar diálogos


Por Sandro Lima, Ullisses Campbell e Rodrigo Craveiro
Da equipe do Correio
Cadu Gomes/CB - 27/7/07

Divulgação pela CPI do Apagão Aéreo das conversas entre pilotos fere acordo internacional

Contrariado

Chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos, brigadeiro Jorge Kersul advertiu que país terá que arcar com conseqüências do vazamento.

O brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), criticou a decisão dos integrantes da CPI do Apagão Aéreo na Câmara de divulgar ontem a transcrição do áudio da caixa-preta com os 12 minutos anteriores ao choque do Airbus-A320 da TAM com um prédio da própria empresa próximo ao Aeroporto de Congonhas. "Há uma legislação internacional sobre aviação. Ao descumprir essa legislação, o país tem que estar disposto a assumir as conseqüências. Todo o nosso sistema de investigação está sendo colocado em xeque com essa atitude, alertou Kersul.

O Brasil é signatário da Convenção sobre Aviação Civil Internacional, conhecida por Convenção de Chicago, que entrou em vigor em 4 de abril de 1947. A divulgação dos dados da caixa-preta viola a convenção e as regras estabelecidas pela Organização da Aviação Civil Internacional (Icao), um ramo da Organização das Nações Unidas (ONU).

Segundo Célio Eugênio Abreu, assessor de segurança de vôo do Sindicato dos Aeronautas, a divulgação foi "ilegal", porque fere acordos internacionais. "A emenda 13 da Convenção de Chicago, assinada há dois anos em Montreal, reforça a recomendação de que transcrições de conversas ocorridas na cabine não podem ser divulgadas, a não ser com autorização dos pilotos", afirmou. Abreu afirmou que o Brasil seguramente receberá uma moção de protesto da ICAO.

Marc Baumgartner, presidente da Federação Internacional de Controladores Aéreos (Ifacta), fez avaliação semelhante. "A Icao, no Anexo 13 de suas normas, estipula que gravações feitas em um avião devem existir para melhorar a segurança nos vôos, e não para serem publicadas", afirmou. Segundo ele, em vários países, a atitude dos deputados seria crime.

David Learmount, editor de Operações e Segurança de Vôo da revista britânica Flight International, disse que os deputados da CPI se preocuparam apenas com a própria imagem. "O Brasil sabia que a publicação da transcrição do gravador de voz era ilegal. O Brasil assinou a Convenção de Chicago prometendo não publicar esse tipo de material. Os políticos brasileiros estavam tão preocupados com sua reputação e por causa da cobrança da imprensa sobre a segurança aérea que retrocederam e renegaram o tratado que o Brasil assinou."

Para Learmount, os deputados foram "patéticos" ao divulgar a transcrição. "Estamos falando de morte das pessoas. E estamos testemunhando a morte de pessoas. O Brasil jamais havia quebrado esse tratado. Isso ocorreu agora porque seus políticos são patéticos."

Colaboração

No depoimento, Kersul explicou que a atitude dos deputados fará com que o Brasil "deixe de contar com a colaboração internacional" para a resolução de acidentes aéreos. Foi graças à ajuda internacional que o Comando da Aeronáutica obteve o conteúdo das caixas-pretas do Airbus da TAM. As caixas foram analisadas nos laboratórios do National Transportation Safety Board (NTSB) em Washington, nos Estados Unidos. Técnicos que representam o consórcio franco-alemão Airbus, o contrutor do avião, também participaram da análise das caixas-pretas.

Visivelmente contrariado, Kersul explicou aos deputados que a criação de mecanismos como a caixa-preta ocorreu para evitar novos acidentes, e não para criminalizar quem quer que seja. O Sindicato dos Aeronautas estuda medidas judiciais para impedir a divulgação de novas informações sigilosas.


COMENTÁRIO


O Brigadeiro Kersul está coberto de razão em suas afirmações. Todas as pessoas sérias sabem disso. O problema é que este governo - que lamentavelmente já dura 5 anos - conseguiu destruir toda e qualquer confiança que se pudesse vir a ter (ou que ainda restasse) nos homens, nas instituições, na imprensa, em tudo!



As seguidas crises provocadas pela sucessão de escândalos, onde verdades e fatos óbvios foram sistematicamente apresentados pelos governistas, à (e , em alguns casos, pela) mídia e à população, como se fossem "falácias" de armação golpista; a não punição de evidentes culpados pelos mais diversos crimes; os freqüentes discursos presidenciais dando apoio pessoal e político-partidário a pessoas que tenham tido comportamentos flagrantemente errados e até crimnosos; a desfarçatez com que se tem mentido e com que se tem roubado neste país nos últimos anos; e tantas outras atrocidades - tudo isso tem obrigado a imprensa a trabalhar como se fosse espião atrás da verdade, sempre tendo que assumir um papel especulativo diante daquilo que afirma ter descoberto - desde que este governo passou a conceber publicamente que a única prova que se aceita como "cabal" contra alguém nesta terra passou a ser confissão assinada - sob pena de censura, de processos aviltantes e de boicote publicitário.


Ao mesmo tempo, esse trabalho de detetive da imprensa, em contraposição ao que é divulgado pelos meios governamentais e partidários de informação, traz a público a guerra da informação e da contra-informação, num espetáculo que só provoca mais incredulidade nos leitores e nos telespestadores - que ficam com a impressão de que não haja em quem e nem no que acreditar. É a revolução gramsciniana em plena ebulição.



Se o país for punido por ter divulgado as informações contidas nas caixas-pretas dos aviões, agradeça-se aos que permitiram que esta vitoriosa tática de revolução silenciosa tenha se enrraizado e se espalhado como praga pelos quatro cantos do país e por todas as suas entranhas.



Christina Fontenelle

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