Christina Fontenelle
2/08/2007
ACREDITE SE PUDER: a desculpa é de que a cobertura da imprensa sobre os escândalos que envolvem o governo – praticamente há 5 anos – e sobre o acidente com o avião da TAM são “perseguições” a um governo vitorioso e bem sucedido. As vaias – bem, elas seriam orquestrações da oposição (que todos sabemos quase que não existir) visando as campanhas eleitorais de 2008 e de 2010 e, ainda, manifestações de “repúdio à democracia” por parte dos que mais teriam enriquecido no país durante a gestão do presidente Lula.A Comissão Executiva Nacional do PT aprovou no dia 31 de julho uma resolução que será levada para debate nos congressos estaduais do partido agora no início de agosto. O documento é uma espécie de chamamento nacional à militância petista para reagir ao que o partido chama de ofensiva pré-eleitoral da mídia e da oposição com vistas às próximas eleições de 2008 e de 2010. O motivo desta ofensiva por parte dos “perseguidores” do governo seria, segundo o partido, uma reação dos mesmos ao “sólido apoio que o governo Lula continua recebendo, segundo todas as pesquisas, da maioria do povo brasileiro”, por vir dando “prosseguimento a um conjunto de políticas exitosas - iniciadas no primeiro mandato”... Além das “novas medidas”... “entre as quais o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), um conjunto de medidas na área da Educação e o impulso dado para a constituição de uma rede pública de TV”.
Os assuntos pesquisa e eleição, no Brasil das urnas eletrônicas com programa fechado e sem impressão do voto, são intratáveis – sob estas condições, não dá nem para começar a travar qualquer discussão que se proponha a ser séria. A palavra “exitosa” não existe, de modo que devamos supor que se trate de algo que queira significar bem sucedida.
Bem, até agora, em cinco anos de governo petista, temos visto o seguinte: 1) enriquecimento cada vez mais incalculável dos que já eram ricos, 2) surgimento de uma nova elite político-partidária enriquecida a olhos vistos e muito rapidamente, 3) o achatamento sistemático do poder aquisitivo da classe média somado a uma incrível deterioração da qualidade de vida, não somente dela, mas da população em geral (seja pelo crescimento da violência urbana, seja pela deficiência cada vez maior do sistema de saúde, etc.), em contraposição a cada vez mais acachapante carga tributária que se incide sobre seu salário e sobre seu consumo, e, finalmente, 4) farta distribuição de cargos no funcionalismo público à militância petista, bem como de recursos financeiros públicos a movimentos político-partidários enganosamente classificados de sociais.
A resolução do partido afirma que “a derrota da reforma política, as vaias contra o presidente na abertura do PAN e o tratamento dado por setores da mídia e da oposição ao acidente com o avião da TAM” revelam que ambos estariam “subindo o tom” nos ataques que têm feito ao governo e ao PT, recorrendo para isso “à manipulação e à mentira” com intuito de desgastar a imagem do presidente Lula, do partido e do próprio governo, especialmente nos últimos sessenta dias.
Sendo assim, devemos entender que foram a oposição e a mídia as responsáveis pelas vaias do Maracanã. Para o PT, a imprensa deveria ter ignorado o fato – tanto as vaias quanto a não abertura do PAN pelo chefe de estado do país que abriga a cidade sede do mesmo, pela primeira vez na história de todos os Jogos. Certamente, para não “perseguir” o presidente, o conceito e a definição do que seja notícia devam ser reformulados histórica e mundialmente. Certamente.
O tratamento dado pela oposição e pela mídia à tragédia ocorrida com o Airbus A320 da TAM, no último dia 17 de julho, na qual morreram 199 pessoas, menos de 10 meses depois de um outro terrível acidente aéreo com um Boeing 737-800 da Gol, no qual faleceram outros 154 cidadãos, foi, segundo o PT, exagerado e totalmente direcionado a “perseguir” o presidente Lula e o governo petista. Há uns 8 meses, mais ou menos, o presidente teria dado 48 horas às autoridades “competentes” para que a crise no setor aéreo, especialmente em relação ao caos enfrentado quase que diariamente por milhares de passageiros nos aeroportos do país. De lá para cá, e antes do acidente da TAM, absolutamente nada havia mudado.
Recordar é viver. Em abril do ano passado, a ANAC promoveu uma audiência pública para tratar das obras que deveriam ser feitas na pista principal do aeroporto de Congonhas e para acatar sugestões sobre o funcionamento daquele aeroporto, com a participação, inclusive, de associações de moradores das redondezas. Pois muito bem. Na ocasião, o representante do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Dr. CARLOS CAMACHO, sugeriu a implantação de concreto poroso, apesar de saber de seu alto custo, para contenção das aeronaves que viessem eventualmente a sair da pista em Congonhas. Inclusive, ao encerrar a audiência, o Superintendente de Infra-Estrutura da ANAC, DR. MIYADA, assinalou que as considerações trazidas seriam todas tomadas em conta, especialmente as do tipo das que haviam sido trazidas pelo DR. CAMACHO. Nessa mesma reunião, a representante da Associação dos Moradores do Butantã, Sra. Marion, sugeriu a redução do número e dos horários de vôos e uma representante da ASSEG, Sra MARCIA VAIOLET, lembrou que os problemas da pista principal de Congonhas já haviam sido relatados desde muito tempo, mas que, até aquele momento, somente havia-se levado em consideração os interesses econômicos, em detrimento do interesse público – estendendo o raciocínio para o episódio da compra da VARIG pela GOL.
Essa pequena recordação é para que o PT entenda que, qualquer que seja a ou as causas que tenham feito com que aquele Airbus da TAM não tenha conseguido parar normalmente na pista de aterrissagem, nada – absolutamente nada – eximirá os responsáveis da culpa que lhes cabe pelo não estabelecimento das condições de segurança para o pouso de grandes e pesadas aeronaves, na pista de Congonhas; especialmente por não terem dado ouvidos às recomendações de pessoas que, por simples e óbvias razões, pretendiam evitar que houvesse uma enorme tragédia se por ventura ocorresse de algum avião varar a pista de pouso. Até que o óbvio finalmente aconteceu, acabando com a vida de 199 pessoas e com parte da de todos aqueles que os amavam.
De modo que depois de dez meses de crise aérea e de 355 mortos, o partido não tem o direito de acusar absolutamente ninguém de estar fazendo alarmismo e estardalhaço sobre pequenos fatos para transformá-los em “mot” de campanha eleitoral anti-petista antecipada. Isto é um acinte à inteligência e um desrespeito para com aqueles que vêm sendo vitimados pela crise institucional do país, não só no setor aéreo, mas também em muitos outros. Cinismo e tergiversação têm limites – e, se muitos, agora, resolveram ir para ruas registrar justamente que este limite foi alcançado pelo governo, seria prudente que esta sinalização fosse analisada com cuidado e não meramente combatida como se neste país reinasse absoluta uma luta histórica e xiita de divisão classista entre os brasileiros (herança que, aliás, nos será deixada, justamente, por obra e graça da governança petista).
O documento divulgado pelo partido assemelha-se à uma cartilha de combate, completamente incompreensível para um governo que deveria ser de e para todos os brasileiros. Ao referir-se às recomendações feitas ao ministério da defesa dizendo já ter recomendado “ao governo a necessidade de construir de fato e de direito o ministério da Defesa” o partido deveria ter acrescentado, à época destas mesmas recomendações, que no cargo de ministro deveria ser colocado um cidadão que ao menos se desse ao trabalho de entender de assuntos relacionados à área militar, a começar pelo conhecimento dos regimentos e legislações internas específicas das Forças Armadas, para que episódios como os de desautorização dos comandantes das respectivas três forças perante seus subordinados e de quebra de hierarquia não acontecessem.
Quanto à solução para a crise aérea apontada pelo partido, principalmente nas que se referem à necessidade de “investimento público em infra-estrutura e fiscalização efetiva sobre as empresas aéreas”, é bom que se lembre de que já lá vão cinco anos de governo. Sem comentários. Se o governo entendesse que o “modelo tucano de agências regulatórias” fosse fracassado, deveria ter acabado com as mesmas e não tê-las transformado em instrumento de barganha e de distribuição de cargos.
A imprensa não está inventando absolutamente nada, nem contra o partido, nem contra o governo e muito menos contra o presidente da república. Ao contrário, tem dado voz aos mesmos para que se manifestem em suas defesas – e, diga-se de passagem, ajudou, e muito, a fazer com que renomadas figuras petistas e de outros partidos de esquerda, tenham chegado ao poder. Os escândalos que porventura tenham feito com que algumas destas pessoas fossem afastadas de seus cargos foram produto de suas próprias atitudes. A imprensa deu cobertura a estes fatos, primeiramente, inclusive, com cautela e como se fossem “erros” isolados. A partir de um certo momento, entretanto, depois de tantos e sucessivos “erros”, a mídia se viu forçada a escolher entre o óbvio e a militância partidária – e cada veículo tomou a direção que lhe achou ser mais conveniente.
Marco Aurélio Weissheimer, da Agência Carta Maior, por exemplo, tem feito seguidas demonstrações a respeito de sua opção. Um de seus últimos artigos foi “Militares já sugerem golpe. Midia eleva tom contra Lula”, no qual alertava sobre o que ele chamava de “reação da direita”. É lógico que dele o PT não reclama – acha formidável!
O secretário de comunicação do PT, Gléber Naine, fez declarações à imprensa dizendo que: "Você tem no Brasil a Rede Globo e outros canais. Tem também O Globo, Correio Braziliense, Folha de S. Paulo e Estadão. Esses veículos nunca fizeram antes oposição a um governo como fazem agora". Ele disse que a convocação não deve ser entendida pelos militantes para que ajam de forma agressiva. Entretanto, ao ser lembrado de que, logo após a vitória de Lula em 2006, jornalistas reclamaram de agressões de militantes do PT, Naine disse não ter conhecimento sobre esses casos. O secretário de comunicação disse ainda que o governo Lula "É um governo vitorioso. A renda tem melhorado, o salário teve um aumento como nunca antes visto na história deste País e tudo isso tem sido escondido pela mídia".
Ao tomar conhecimento da resoluções do PT, o Secretário-geral da ONG Repórteres Sem Fronteira (RSF), com sede em Paris (França), jornalista Robert Ménard, enviou carta ao presidente Lula afirmando que a “decisão nos parece inoportuna e sem fundamento” e que “os veículos citados não deixaram de criticar representantes dos partidos de oposição citados em casos de corrupção, abuso de poder e fraude”. O secretário lembrou, ainda, que “a revelação, às vésperas das eleições de outubro de 2006, de um escândalo envolvendo membros do PT - que tentaram comprar um falso dossiê contendo acusações contra candidatos de oposição - provocou a reação de militantes do partido contra a imprensa”. Sobre as vaias recebidas pelo presidente e sobre o acidenta com o avião da TAM, Robert Ménard, questionou: “Deveria a imprensa se calar diante desses eventos, deixando-os passar de forma despercebida? É possível responsabilizar a mídia pela insatisfação provocada pela emoção coletiva decorrente da tragédia de Congonhas?”. A carta termina dizendo que “A decisão do PT não nos parece em acordo com um partido democrático. Ela não pode senão alimentar o rancor, e deve ser reconsiderada”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário