quinta-feira, 2 de agosto de 2007

A ORDEM É MORRER CALADO E FICAR DE LUTO EM SILÊNCIO

Por: Reinaldo Azevedo

O que vocês esperam? Que alguém venha a público dizer que o agora maior acidente aéreo brasileiro (o nosso último "maior" tinha apenas 10 meses) foi causado, entre outros fatores, pela pista inadequada, sem as devidas ranhuras? Isso não vai acontecer. Até hoje, na tragédia dos 154 mortos da Gol, não se deu o devido peso à coisa mais óbvia do mundo: o Boeing tinha comunicação com a torre, e sabia-se que o Legacy poderia estar na contramão. Bastava ordenar então ao avião da empresa brasileira: "Suba, desça ou vá para o lado". E aquelas pessoas estariam vivas. Em vez disso, as responsabilidades se diluem nas repisadas "múltiplas causas" que provocam um acidente aéreo. O estado sempre livra a própria cara.

Reitero o que escrevi ontem em muitos posts: ainda que se venha a provar — é o que está para acontecer — que o piloto praticou uma barbeiragem, a Infraero demorou 50 minutos para divulgar o nº do vôo. Não! Não se tratava de uma informação que estava presa em algum filtro, em algum mecanismo de controle. Era desconhecimento mesmo. Tanto é assim, que se chegou a divulgar que o vôo era o de nº 5018. Em seguida, outra informação: seria uma pequena aeronave, não um avião grande. E, finalmente, quase uma hora depois, a informação correta do vôo ao menos.

Ora, isso é indício de um estado de coisas, não fosse suficiente a balbúrdia que se verifica diariamente nos aeroportos em razão da falta de comando, da infra-estrutura precária, de um controle aéreo completamente rendido à militância sindical. Lula tem alguma coisa com isso? Ele também deve achar que sim, não é? Ou não teria reunido o tal "Gabinete da Crise". Reunião para quê?

Julio Redecker

Evidentemente, estou consternado com a tragédia. A imagem da mulher desfalecendo no aeroporto ao saber que dois filhos seus estavam no avião é dessas coisas sem par. Como pai, pressinto a extensão dessa dor. Ademais, conhecia o deputado Julio Redecker (PSDB-RS), líder da minoria na Câmara, com quem tinha um relacionamento cordial, amigo. Era um político dedicado, trabalhador, de caráter — um excelente quadro do tucanato, pessoa hoje rara no Brasil, que tinha mais futuro político do que passado.

É o aspecto sempre apavorante das tragédias: vidas interrompidas que, por sua vez, interrompem outras vidas. Os familiares colhidos por esses acontecimentos, não raro, sentem-se roubados, traídos, abandonados. Minha solidariedade às famílias de todos os mortos, em particular à mulher e aos filhos de Redecker. Os que perdem entes queridos em situações como essa têm dificuldades até mesmo para viver o luto, que está presente em todas as culturas e que é uma necessidade.

Soma-se a essa consternação pelo conjunto e à tristeza em particular por Redecker um outro e enorme desconforto: eu detesto aviões. Todas as certezas muitos racionais e muito científicas sobre "o mais seguro meio de transporte" podem até me convencer, mas não me pacificam. Não consigo deixar de considerar que se trata de um "tudo ou nada". Sei que o número de acidentes é ínfimo se levarmos em conta os pousos e decolagens no mundo. E só se chegou a esse desempenho, entendo, justamente em razão daquele "tudo ou nada". Todas as áreas envolvidas com o vôo passaram por revoluções tecnológicas consideráveis. O medo, quando é virtuoso, pode gerar ciência e prudência. O meu medo de voar não tem nada de virtuoso. Só me causa contratempos e sensações desagradáveis. E é pior quando viajo com a família. Gosto é de ficar aqui, quieto, no meu canto. A rotina me basta.

Civilização
Por mais experiente que seja o viajante, noto sempre, há em todo passageiro um quê de desafio no olhar. Por algumas horas, dezenas de pessoas partilham de um destino. Com raras exceções, o clima nos aviões é de certa camaradagem complacente; as pessoas fazem algum esforço para ter uma risonha confiança — desconfiada, acho eu — no futuro. Temos a noção de que aquilo é mesmo um atrevimento e tanto. Confiamos nosso destino à expertise dos pilotos, das empresas aéreas, das torres de comando. Entregamos, enfim, nossa vida ao conhecimento acumulado que faz com que voemos, que nos mantém no ar, que nos devolve à terra, à nossa rotina, ao nosso destino: seres feitos para caminhar sobre duas pernas.

A tragédia com o avião da TAM, dez meses depois do acidente da Gol, provocou um estranho misto de incredulidade misturada a frieza até mesmo nos jornalistas que estavam de cara para as chamas. Durante alguns minutos, via-se a cauda de um avião enterrado no depósito — sim, era, inequivocamente, a cauda de um avião —, e os repórteres falavam no "incêndio do prédio". No máximo, mesmo com aquele rabo da tragédia exposto, especulava-se sobre um "possível" acidente. Um avião derretia numa impressionante bola de fogo, e ninguém queria acreditar.

Mas não era daquelas resistências sofridas diante da tragédia. Talvez fosse outra coisa. Talvez fosse a manifestação de uma descrença generalizada na lógica. Ora, dados nove meses de caos, quanto tempo demoraria para que um novo acidente nos assombrasse? A perplexidade fria, creio, tinha a ver justamente com isto: a gente se dava conta de que, vejam só, é mesmo verdade; se fizermos as coisas erradas, colheremos desastres. Na aviação ou em qualquer lugar.

Morrer calados
Os petistas logo ficaram assanhados. Aqueles mesmos que estão certos de que César Maia organizou a vaia contra Lula logo correram para decretar: "Lula não tem nada com isso". Mais: resolveram me botar na sua rede de demonização, afirmando que eu estava explorando politicamente a tragédia. Explorando politicamente?

São os tempos petistas. Chegou a hora de morrer calado. Chegou a hora de sofrer em silêncio. O curioso é que o próprio Lula, a despeito do que dizem os seus puxa-sacos, sentiu à distância o calor das chamas e se apressou em reunir o tal gabinete de crise. É claro que ele sabe ter tudo a ver com isso. Com isso o quê? Com a tragédia? Em certa medida, sim. Os brasileiros passaram a voar com muito menos segurança no seu governo. E as respostas ficaram todas entre a inércia e o cinismo.

Não, eu não inventei que a pista estava insegura. É o que pilotos estão dizendo ao se comunicar com a torre. Sem as tais ranhuras para escoar a água — e estava chovendo em São Paulo —, as aterrissagens são muito mais perigosas. Anteontem, um avião já havia rodado na pista.

Mas os petistas não querem que falemos nada. Afinal, eles não querem saber, como é mesmo?, da classe média que vaia Lula em estádio e protesta contra o governo nos aeroportos. Se depender da ministra do Turismo, devemos "relaxar e gozar". Se depender do ministro da Fazenda, devemos é lhe ser gratos: ele acha que é o preço que se paga pela pujança da economia. Se depender de José de Alencar, devemos ter não mais do que paciência.

Cobram de nós que morramos calados; que vivamos nosso luto em silêncio. Sugiro a vocês que leiam os comentários dos colunistas petralhas quando o garoto João Hélio foi barbaramente assassinado. A síntese era esta: "Só estão fazendo esse barulho porque era um menino de classe média". No Brasil de Lula, a classe média não tem direito nem de chorar os seus mortos. Nas ruas ou nos aviões. Nos estádios, é para aplaudir.

Atenção!
É puro raciocínio místico a suposição de que, havida esta tragédia, outra não pode acontecer. Pode, sim. Em primeiro lugar porque o fato de o governo Lula ser tão incompetente não quer dizer que o imponderável, que está em todos os lugares, tenha nos abandonado. Esse imponderável é sempre menor quanto maior é a capacidade de resposta técnica, é fato. Essa nossa capacidade de resposta, no setor aéreo, nunca foi tão precária. Tudo o mais constante — incluindo o silêncio dos inocentes —, mais acidentes virão. É matemático.

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