segunda-feira, 13 de agosto de 2007

As vítimas da TAM somos nós

Depoimento do Cmte. Tito Walker - ex-Varig


Colegas,

Não me manifestei antes deliberadamente. Seria inócuo. Ainda não tinha opinião formada. Não ter acesso aos dados verdadeiros (e somente às versões dos fatos, no açodamento da mídia), não pode dar segurança a processo decisório de ninguém. Hoje talvez possa ajudar.

A investigação de acidente aeronáutico, depois que deixou de ser inquérito, na década de 60, sempre teve como objetivo a prevenção de outros acidentes com as mesmas causas. Não se lida com culpa (não contribui positivamente para depoimentos verdadeiros), embora não se fuja das responsabilidades.

Não obstante, a indústria sempre teve o lucro como objetivo. Os pilotos têm um conflito entre os cuidados com sua segurança e a de seus passageiros, oposto à necessidade de sobreviver no seu emprego e a um ego coletivo de infalibilidade. As autoridades, cuja competência seria legislar, regular e fiscalizar as interações entre empresas e usuários, cedendo sistematicamente à pressão do mais forte (qualquer pressão, como se deduz por tanto descalabro que temos visto) e jamais querendo reconhecer (e muito menos assumir) qualquer responsabilidade por ação negativa, ou omissão. Muito menos, quando o órgão fiscalizador é subordinado ao Poder Executivo (concedente do transporte público). No caso o CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidente Aeronáutico), no qual sou formado na terceira turma de investigadores, em 1970.

Antigamente, buscava-se uma causa principal, outras secundárias e fatores contribuintes. A boa doutrina professa contemporaneamente que um incidente ou acidente tem vários elos sucessivos e, se esta corrente for "quebrada" por uma ação corretiva em qualquer deles, o evento não se concretiza. Logo, as causas hoje são pesquisadas como tendo mesmo valor contributivo.

Neste sentido, o acidente em questão aparenta ter como elos processuais:


  • complexa interface homem-máquina do fabricante Airbus (onde os pilotos têm dificuldade em interpretar a ação corretiva),
  • manutenção pelas autoridades desta homologação (apesar de vários acidentes atestando a ineficácia),
  • deficiente supervisão da Seção de Operações de Vôo da empresa (por falha ou insuficiência de treinamento e provavelmente por permitir inadequada composição de tripulações),
  • deficiente instrução teórica e prática (por não treinar seus comandantes para considerar sempre a recomendação mais restrita e não só a do Manual do Fabricante, como se ouviu na CPI),
  • uma ação errada dos meus colegas ( a posição da manete é evidência, dificilmente "correria" com o impacto para aquela posição, confirmada no FDR),
  • gestão temerária de uma política organizacional que visa lucro acima da Segurança de Vôo (e de tudo o mais),
  • complacência (para dizer o mínimo) das autoridades fiscalizadoras,
  • permissividade e omissão do Estado, autorizando moradias tão próximas à pista, que impedem stop way e clear way, áreas de escape),
  • irresponsável designação política (de "cumpanheiros", ao invés de técnicos),
  • liberação de uma pista de pouso perigosíssima (sem os necessários e devidos cuidados),
  • terem permitido a extinção de inestimável paradigma de Segurança de Vôo (a experiência acumulada e a doutrina VARIG), apesar de exaustivamente informados, até mesmo por colegas das concorrentes,
  • comprometimento de parte das autoridades do Judiciário com esta política do lucro, executando ilegítima e ilegal "liquidação" da empresa VARIG, fingindo ser uma intervenção,
  • comprometimento de boa parte da mídia com a divulgação de dados do Governo, em detrimento do contraditório,
  • falta de uma política de Aviação Civil para o país (como acusei aos meus passageiros nos meus últimos cinco anos de vôo).

Não posso, ainda, deixar de citar a injustiça social nesta nossa bela e grande nação, que permite um estado de coisas onde a mentira ("eu não sabia!") se sobrepõe à verdade e onde um empático discurso se sobrepõe às evidências e à reflexão lógica, fazendo-nos votar em oportunistas irresponsáveis para conduzir com objetivos particularistas nossos destinos e descarrilando transportes e desenvolvimento. Muito há a ser feito pelas autoridades. A nossa parte, povo, é definir "que tipo de governantes queremos". Desta escolha dependerá continuarmos a ser, todos, vítimas do acidente, ou não.".

Do comandante (mais idoso na linha, quando foi criminosamente extinta pelo Governo) com 33 anos de comando na empresa, 23583 hs voadas, nenhum acidente,

Tito Walker

Um comentário:

Unknown disse...

A doutrina VARIG bem se viu no acidente GARCEZ.

Falta de CRM = Crew Resource Management.

Sua retórica é facciosa, portanto todos devem ler com reserva.