quinta-feira, 19 de julho de 2007

AQUILO FOI PARA NÓS?

Na noite de ontem, 19 de julho, o assessor da presidência da república para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, comemorou com gestos obscenos o que para ele seria razão suficiente para tirar dos ombros do governo a culpa pelo acidente com o airbus A-320 da TAM, prefixo PT MBK, vôo JJ 3054. Ele e o assessor de imprensa Bruno Gaspar foram flagrados por, digamos assim, uma câmera indiscreta que, do lado de fora do Palácio do Planalto, capturou imagens dos dois, dentro de uma sala (luz acesa e cortinas abertas) fazendo gestos, com as mãos e com o corpo, respectivamente, que remetem ao que, polidamente, conhecemos como sexo – sexo anal, mais precisamente. Os dois estavam acompanhando as notícias do Jornal Nacional sobre o acidente, entre as quais a que citava que problemas técnicos com o avião da TAM poderiam ter contribuído para a tragédia.



As imagens foram ao ar no Jornal da Globo. Ao deixar o Palácio, MAG – nitidamente contrariado pelo que classificou como uma espécie de invasão de privacidade – disse que, em primeiro lugar, jamais teria feito algo parecido em público e que, em segundo lugar, não se tratava de uma comemoração, mas de um reconhecimento de que teria sido um erro por parte da população (e de parte da imprensa) ter atribuído a culpa pelo acidente ao governo.

“Essas imagens que foram tomadas à revelia, de forma clandestina, refletem concretamente a minha indignação frente a uma determinada versão que se quis passar para a opinião pública, [versão] que creditava ao governo a responsabilidade de um acontecimento dramático. Eu digo que é indignação porque não se trata simplesmente de jogar a responsabilidade nas costas do governo. Trata-se de explorar uma tragédia na qual morreram 200 brasileiros, pelo menos. Então, isso é um sentimento de indignação, é uma reação privada que qualquer pessoa de bom senso teria neste momento”

Vamos ensinar o padre a rezar a missa. Figuras públicas, especialmente as que ocupam cargos importantes no governo, devem tomar certos cuidados em relação às garantias de sua privacidade. Manter as cortinas fechadas, especialmente à noite, quando, por causa das luzes acesas, está mais claro do lado de dentro dos ambientes fechados do que do lado de fora, na rua, é mais do que o mínimo entre os tais cuidados. Educação e um pingo de fineza, principalmente diante de subordinados, são sempre recomendáveis – especialmente quando se trata de ter bom senso.

O Palácio do Planalto, especialmente na pessoa do presidente da república, ainda não se pronunciou oficialmente, desde a tragédia – e lá se vão mais de 48 horas. Pegou muito mal o fato de estar esperando “sair da reta” (para combinar com os gestos do pessoal do Planalto) para se manifestar. Ficou pior ainda a revelação (mesmo que fortuitamente roubada) de como o problema estava sendo encarado nos bastidores da interminável reunião de emergência na qual o governo estava envolvido desde o acidente.

Em poucas palavras, MAG revelou que estava indignado com a culpa que se impunha ao governo e não com o acidente que matou mais de 200 pessoas e certamente terá destruído, em parte, se não totalmente, a vida de seus familiares. Depois, numa espécie de ato falho, fez uma inversão, ao dizer não se tratar de jogar a responsabilidade nas costas do governo e sim de (a imprensa, no caso) explorar uma tragédia na qual teriam morrido, pelo menos, 200 brasileiros. Enganou-se: trata-se de colocar, mui justificadamente, sobre os ombros do governo, a imensa parte de responsabilidade que lhe cabe sobre este e sobre outros acidentes e incidentes envolvendo o setor de aviação civil no país, e não de explorar mais essa tragédia dentre as muitas que vêm se abatendo sobre os brasileiros – seguida, insoluvelmente e não só na área de aviação.

Mesmo que a maior parcela de culpa pelo acidente com o avião da TAM recaia sobre as condições técnicas e de segurança da aeronave, isso não isenta o governo de ter permitido que estas companhias “de baixo custo”, que tratam aviões como se fossem ônibus com asas e passageiros como se fossem gado em curral, passassem a dominar o mercado – praticamente dividido entre duas delas, por obra, graça e inestimável ajuda de pessoas intimamente ligadas ao poder palaciano – oferecendo passagens relativamente baratas, em aeronaves entupidas de assentos apertados (todos eles quase sempre ocupados) e em vôos que chegam a fazer mais de 4 escalas, como se fossem ônibus, trem ou metrô, que param de ponto em ponto, onde entram e saem passageiros.

Isso para não falar das cargas transportadas por estas companhias, ao lado do já exagerado número de bagagens provocado pelo excesso de passageiros. Diga-se de passagem, comparativamente, o preço cobrado para transportar 1 Kg de encomenda custa cerca de 10 vezes mais do que o quilo de gente.

Qualquer criança de 10 anos é capaz de perceber, depois que foi divulgado o número de passageiros que estavam dentro do A-320 que fazia o vôo 3054 da TAM, que há algo errado com esse excesso de gente. Não por intuição, mas por informações facilmente obtidas, não só em antigos artigos sobre o modelo A-320 (200) da Airbus como nos sites de várias companhias aéreas que trabalham com este modelo. Neles pode-se encontrar informações sobre peso, medida, capacidade, velocidade de cruzeiro, tamanho de pista para aterragem e para decolagem e, como não poderia deixar de ser, sobre os vários tipos de distribuição e de disposição de assentos – que vão desde 150, em aeronaves com duas classes, a 180, como é o caso das que operam para a Turkish Airlines.

No lugar mais óbvio para se obter informações sobre os airbus da TAM é o próprio site da companhia – que oferece visita virtual ao A-320. Está lá: são 28 fileiras com 6 assentos cada uma; o que dá um total de 168 assentos. É de supor que 168 assentos comportem 168 pessoas (a não ser os bebês de colo), fora os pilotos e a tripulação(geralmente de 3 a 4 comissários(as)). Se a TAM fez como a Turkish Airlines e optou por colocar 180 assentos, não é isso que está descrito em seu próprio site. Tudo bem que estes 12 assentos a mais sejam para funcionários da companhia ou para que a mesma ofereça favores a quem quer que deseje. Mesmo assim, os assentos deveriam estar representados nos modelos gráficos das aeronaves e simplesmente marcados como não disponíveis ou coisa que o valha.

Mesmo não estando presentes no esquema gráfico de assentos do A-320, a TAM vende e reserva, normalmente, passagens até a fileira 29. Ou seja, a companhia vende 174 bilhetes para passageiros comuns. A reportagem da VEJA fez o teste das reservas por telefone e publicou os resultados. Como já é público a TAM divulgou a lista de pessoas que estavam dentro da aeronave acidentada: eram 186 pessoas. Descontando-se os dois pilotos e a tripulação de 4 comissários, havia 6 pessoas a mais no avião. Some-se ao peso das pessoas em si, ao de seus bagagens e ao das cargas que sempre são levadas nestes vôos, a conclusão é óbvia: a aeronave provavelmente estava com excesso de peso (cujo máximo para pouso é de 64.500 kg, para este modelo).

Há um detalhe: a pista de Congonhas tem 1700 metros - curta para suportar a aterrisagem de uma aeronave com todo aquele peso. O ideal seria uma pista com pelo menos 2500 metros. Esse fator, somado ao da pista molhada (e sem o grooving), mais ao do reverso direito da aeronave estar travado é que,muito provavelmente, foram as causas do acidente que matou mais de 200 pessoas.

Entretanto, é bom que se informe ao Palácio do Planalto que não há motivos para comemoração. Como já disse anteriormente, as companhias aéreas do tipo das “de baixo custo” que estão dividindo o mercado da aviação civil brasileira entre si, estão aí, e dessa forma irregular atuando, por obra, graça, ajuda, autorização e conivência do governo. No caso do acidente com o avião da Gol, no dia 29 de setembro do ano passado, houve a possibilidade de esconder todos os erros de procedimento cometidos pelas companhias aéreas porque pôde-se sair jogando a culpa de colo em colo. Dessa vez a coisa não será tão fácil, embora já nos encontremos em situação de que qualquer coisa seja possível neste país.

Vamos voltar no tempo. No dia 14 de setembro de 2000, o jornal Folha de São Paulo publicava matéria sobre a autorização do Departamento de Aviação Civil (DAC) para que 14 novas companhias aéreas entrassem em atuação no mercado nacional, 11 no setor de transporte de passageiros e três no transporte de carga. Na época, o chefe do Departamento de Planejamento do DAC, brigadeiro Carlos Alberto de Carvalho avaliava que o Brasil tinha uma demanda reprimida de 48 milhões de passageiros por ano. Mas, já naquela mesma época, o então presidente da Varig, Ozires Silva, dizia que o governo deveria levar em consideração requisitos básicos de segurança e de infra-estrutura para permitir que novas companhias entrassem no mercado de aviação. Eram tempos em que as portas para o futuro inferno que viveríamos, não só no setor de aviação, é claro, estavam sendo cuidadosamente abertas.

É por fatos como esse que eu digo que a crise aérea começou com a criação e com o extermínio de companhias aéreas até que chegássemos ao mais do que previsto e óbvio caos a que hoje estamos submetidos. E é no meio desse caos e, diante da indignação sim, mas a dos brasileiros, não só pela situação de catástrofe que vivemos, mas pela atitude do senhor MAG, que cabe a pergunta ao senhor assessor especial da presidência desta coisa que ainda continuam chamando de país: “afinal, quem é que se f... (de verde e amarelo)?” Nós, brasileiros, presume-se.

Christina FontenelleE-MAIL: Chrisfontell@gmail.com

BLOG/artigos: http://infomix-cf.blogspot.com/

BLOG/Série CAI O PANO: http://christina-fontenelle.blogspot.com/

BLOG/Nossa VOZ: http://infomix2.blogspot.com/

BLOG/ACIDENTE TAM – 2007: http://acidentetam2007.blogspot.com/

Nenhum comentário: