As imagens foram ao ar no Jornal da Globo. Ao deixar o Palácio, MAG – nitidamente contrariado pelo que classificou como uma espécie de invasão de privacidade – disse que, em primeiro lugar, jamais teria feito algo parecido em público e que, em segundo lugar, não se tratava de uma comemoração, mas de um reconhecimento de que teria sido um erro por parte da população (e de parte da imprensa) ter atribuído a culpa pelo acidente ao governo.
“Essas imagens que foram tomadas à revelia, de forma clandestina, refletem concretamente a minha indignação frente a uma determinada versão que se quis passar para a opinião pública, [versão] que creditava ao governo a responsabilidade de um acontecimento dramático. Eu digo que é indignação porque não se trata simplesmente de jogar a responsabilidade nas costas do governo. Trata-se de explorar uma tragédia na qual morreram 200 brasileiros, pelo menos. Então, isso é um sentimento de indignação, é uma reação privada que qualquer pessoa de bom senso teria neste momento”
Vamos ensinar o padre a rezar a missa. Figuras públicas, especialmente as que ocupam cargos importantes no governo, devem tomar certos cuidados em relação às garantias de sua privacidade. Manter as cortinas fechadas, especialmente à noite, quando, por causa das luzes acesas, está mais claro do lado de dentro dos ambientes fechados do que do lado de fora, na rua, é mais do que o mínimo entre os tais cuidados. Educação e um pingo de fineza, principalmente diante de subordinados, são sempre recomendáveis – especialmente quando se trata de ter bom senso.
O Palácio do Planalto, especialmente na pessoa do presidente da república, ainda não se pronunciou oficialmente, desde a tragédia – e lá se vão mais de 48 horas. Pegou muito mal o fato de estar esperando “sair da reta” (para combinar com os gestos do pessoal do Planalto) para se manifestar. Ficou pior ainda a revelação (mesmo que fortuitamente roubada) de como o problema estava sendo encarado nos bastidores da interminável reunião de emergência na qual o governo estava envolvido desde o acidente.
Em poucas palavras, MAG revelou que estava indignado com a culpa que se impunha ao governo e não com o acidente que matou mais de 200 pessoas e certamente terá destruído, em parte, se não totalmente, a vida de seus familiares. Depois, numa espécie de ato falho, fez uma inversão, ao dizer não se tratar de jogar a responsabilidade nas costas do governo e sim de (a imprensa, no caso) explorar uma tragédia na qual teriam morrido, pelo menos, 200 brasileiros. Enganou-se: trata-se de colocar, mui justificadamente, sobre os ombros do governo, a imensa parte de responsabilidade que lhe cabe sobre este e sobre outros acidentes e incidentes envolvendo o setor de aviação civil no país, e não de explorar mais essa tragédia dentre as muitas que vêm se abatendo sobre os brasileiros – seguida, insoluvelmente e não só na área de aviação.
Mesmo que a maior parcela de culpa pelo acidente com o avião da TAM recaia sobre as condições técnicas e de segurança da aeronave, isso não isenta o governo de ter permitido que estas companhias “de baixo custo”, que tratam aviões como se fossem ônibus com asas e passageiros como se fossem gado em curral, passassem a dominar o mercado – praticamente dividido entre duas delas, por obra, graça e inestimável ajuda de pessoas intimamente ligadas ao poder palaciano – oferecendo passagens relativamente baratas, em aeronaves entupidas de assentos apertados (todos eles quase sempre ocupados) e em vôos que chegam a fazer mais de 4 escalas, como se fossem ônibus, trem ou metrô, que param de ponto em ponto, onde entram e saem passageiros.
Isso para não falar das cargas transportadas por estas companhias, ao lado do já exagerado número de bagagens provocado pelo excesso de passageiros. Diga-se de passagem, comparativamente, o preço cobrado para transportar 1 Kg de encomenda custa cerca de 10 vezes mais do que o quilo de gente.
Qualquer criança de 10 anos é capaz de perceber, depois que foi divulgado o número de passageiros que estavam dentro do A-320 que fazia o vôo 3054 da TAM, que há algo errado com esse excesso de gente. Não por intuição, mas por informações facilmente obtidas, não só em antigos artigos sobre o modelo A-320 (200) da Airbus como nos sites de várias companhias aéreas que trabalham com este modelo. Neles pode-se encontrar informações sobre peso, medida, capacidade, velocidade de cruzeiro, tamanho de pista para aterragem e para decolagem e, como não poderia deixar de ser, sobre os vários tipos de distribuição e de disposição de assentos – que vão desde 150, em aeronaves com duas classes, a 180, como é o caso das que operam para a Turkish Airlines.
No lugar mais óbvio para se obter informações sobre os airbus da TAM é o próprio site da companhia – que oferece visita virtual ao A-320. Está lá: são 28 fileiras com 6 assentos cada uma; o que dá um total de 168 assentos. É de supor que 168 assentos comportem 168 pessoas (a não ser os bebês de colo), fora os pilotos e a tripulação(geralmente de 3 a 4 comissários(as)). Se a TAM fez como a Turkish Airlines e optou por colocar 180 assentos, não é isso que está descrito em seu próprio site. Tudo bem que estes 12 assentos a mais sejam para funcionários da companhia ou para que a mesma ofereça favores a quem quer que deseje. Mesmo assim, os assentos deveriam estar representados nos modelos gráficos das aeronaves e simplesmente marcados como não disponíveis ou coisa que o valha.
Mesmo não estando presentes no esquema gráfico de assentos do A-320, a TAM vende e reserva, normalmente, passagens até a fileira 29. Ou seja, a companhia vende 174 bilhetes para passageiros comuns. A reportagem da VEJA fez o teste das reservas por telefone e publicou os resultados. Como já é público a TAM divulgou a lista de pessoas que estavam dentro da aeronave acidentada: eram 186 pessoas. Descontando-se os dois pilotos e a tripulação de 4 comissários, havia 6 pessoas a mais no avião. Some-se ao peso das pessoas em si, ao de seus bagagens e ao das cargas que sempre são levadas nestes vôos, a conclusão é óbvia: a aeronave provavelmente estava com excesso de peso (cujo máximo para pouso é de 64.500 kg, para este modelo).
Há um detalhe: a pista de Congonhas tem 1700 metros - curta para suportar a aterrisagem de uma aeronave com todo aquele peso. O ideal seria uma pista com pelo menos 2500 metros. Esse fator, somado ao da pista molhada (e sem o grooving), mais ao do reverso direito da aeronave estar travado é que,muito provavelmente, foram as causas do acidente que matou mais de 200 pessoas.
Entretanto, é bom que se informe ao Palácio do Planalto que não há motivos para comemoração. Como já disse anteriormente, as companhias aéreas do tipo das “de baixo custo” que estão dividindo o mercado da aviação civil brasileira entre si, estão aí, e dessa forma irregular atuando, por obra, graça, ajuda, autorização e conivência do governo. No caso do acidente com o avião da Gol, no dia 29 de setembro do ano passado, houve a possibilidade de esconder todos os erros de procedimento cometidos pelas companhias aéreas porque pôde-se sair jogando a culpa de colo em colo. Dessa vez a coisa não será tão fácil, embora já nos encontremos em situação de que qualquer coisa seja possível neste país.
Vamos voltar no tempo. No dia 14 de setembro de 2000, o jornal Folha de São Paulo publicava matéria sobre a autorização do Departamento de Aviação Civil (DAC) para que 14 novas companhias aéreas entrassem em atuação no mercado nacional, 11 no setor de transporte de passageiros e três no transporte de carga. Na época, o chefe do Departamento de Planejamento do DAC, brigadeiro Carlos Alberto de Carvalho avaliava que o Brasil tinha uma demanda reprimida de 48 milhões de passageiros por ano. Mas, já naquela mesma época, o então presidente da Varig, Ozires Silva, dizia que o governo deveria levar em consideração requisitos básicos de segurança e de infra-estrutura para permitir que novas companhias entrassem no mercado de aviação. Eram tempos em que as portas para o futuro inferno que viveríamos, não só no setor de aviação, é claro, estavam sendo cuidadosamente abertas.
É por fatos como esse que eu digo que a crise aérea começou com a criação e com o extermínio de companhias aéreas até que chegássemos ao mais do que previsto e óbvio caos a que hoje estamos submetidos. E é no meio desse caos e, diante da indignação sim, mas a dos brasileiros, não só pela situação de catástrofe que vivemos, mas pela atitude do senhor MAG, que cabe a pergunta ao senhor assessor especial da presidência desta coisa que ainda continuam chamando de país: “afinal, quem é que se f... (de verde e amarelo)?” Nós, brasileiros, presume-se.
Christina FontenelleE-MAIL: Chrisfontell@gmail.com
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