domingo, 22 de julho de 2007

AVIAÇÃO E MATEMÁTICA NÃO SE ENTENDEM


Depois que foi divulgado o número de passageiros que estavam dentro do Airbus A-320 da TAM que fazia o vôo 3054 – agora de 187 e não de 186, como antes havia sido oficialmente informado -, o excesso de peso das aeronaves bem como o controle sobre o registro dos passageiros que embarcam nas mesmas passam a ser mais dois outros aspectos que não podem mais deixar de ser considerados nas investigações sobre não só deste último acidente, com o Airbus da TAM, como também do havido com o Boeing 737-800 da Gol em setembro do ano passado.

Quando escrevi minha última matéria sobre duas novas possíveis abordagens sobre o acidente da Gol, eu já havia atentado sobre a questão do registro de passageiros e sobre o peso da aeronave. Entretanto, não abordei o assunto porque, à época, poderia parecer um tanto quanto fantasioso para muitos, além de que o importante significado das considerações acabaria se perdendo no meio de tantas outras aparentemente mais importantes informações sobre as quais se estava tratando.

Chegou a hora, porém, de levantar a questão. Vamos começar pelo Check-in e pelo acidente da Gol. Todos devem se lembrar da confusão havida sobre a lista de passageiros que embarcaram no vôo 1907 – que saiu de Boa Vista com escala em Manaus, e que, de lá, iria para Brasília, Belém e, finalmente Rio de Janeiro.

Inicialmente, as informações eram de que havia 155 passageiros dentro da aeronave no momento da queda sobre a mata amazônica em Mato Grosso, sendo que, entre eles haveria ainda uma criança de colo, com 11 meses de idade – Rebeca Macena. Este bebê estaria acompanhado por Emanuelle Márcia dos Santos, 22 anos. Entretanto, a Gol retificou a informação, dizendo que a criança não embarcara. Emanuelle, funcionária do Inmetro, estava casada havia apenas 10 meses com o funcionário da TIM, Maycon Meirelles Santos (que não estava no vôo e aguardava a esposa no Rio de Janeiro) não tinha filhos e estava em Manaus a serviço. Outra passageira, Maria Auxiliadora Macena, que também estava no vôo 1907 e que teria o mesmo sobrenome da criança (Macena, Rebeca) também não levava nenhum bebê – ela era casada e estivera em Manaus para o enterro da mãe. Portanto, quem é Rebeca Macena? E, o que seu nome estaria fazendo naquela lista de passageiros?
Mas, esse não foi o único erro cometido pela companhia ao divulgar a lista de ocupantes do Boeing. No dia 5 de outubro de 2006, portanto 5 dias após o acidente, a Gol corrigiu a lista de passageiros que viajavam no vôo 1907. A empresa aérea constatou que Carlos Souza Junior e Carlos Sousa – nomes que apareciam na primeira lista divulgada - eram a mesma pessoa. De acordo com a nota divulgada pela empresa, "na lista divulgada originalmente, constava o nome Carlos Souza Junior, passageiro que de fato embarcou, e outro nome, Carlos Sousa, que foi acrescentado à lista por um erro de procedimento... A falha aconteceu pelo fato de a primeira relação de passageiros, criada pela unidade da Gol no aeroporto de Manaus, ter gerado uma lista abreviada na qual o nome do Sr. Carlos Souza Junior apareceu sem o Júnior e com o Souza grafado com a letra s. Durante o trabalho de checagem da lista, Carlos Souza Junior e Carlos Sousa foram considerados pessoas distintas...A Gol lamenta o acontecido e corrige a informação inicial. Com isso, esclarece que:... não existe passageiro com o nome Carlos Sousa, como constava na lista original;... com isso, o número oficial de passageiros do vôo 1907 passa a ser 148, que, somado aos 6 tripulantes, totaliza 154 vítimas no acidente”.

Mas o que significa isso? Para que todo aquele processo automatizado de check-in? Para que aquela burocracia toda de apresentação de identidade no balcões da companhias aéreas durante o check-in? Não bastaria um simples pedido e meia dúzia de “tecladas” num computador para que a lista de passageiros se visse impressa? Antes de embarcar nas aeronaves, depois de já ter passado pelo check-in, as pessoas todas não passam pela “ticagem” de conferência feita por funcionários da companhia ao adentrarem nos portões de embarque? Para que tudo isso se, na hora em que se precisa de uma simples informação sobre quem estaria em determinada aeronave, há tanta demora e tantos erros?

Ainda há mais uma dúvida em relação às informações divulgadas sobre a lotação do Gol. Sabe-se que o avião que fazia o vôo 1907 era um Boeing 737-800. Pela configuração das aeronaves deste modelo, segundo o site da própria Boeing, estão disponíveis 162 assentos – para 2 classes – ou 189 assentos – em uma única classe. No caso da Gol, as primeiras aeronaves foram adquiridas com 177 lugares e, depois, com 187 – graças a um projeto desenvolvido pela Boeing especialmente para a Gol.

No Boeing que fazia o vôo 1907, no dia 29 de setembro de 2006, como foi pública e oficialmente divulgado haveria 154 pessoas. Entretanto, são várias as informações divulgadas de que aquela aeronave estava não somente lotada, mas também muito pesada:

1. “Deus livrou consultora de logística, Aline Ribeiro, da morte. Ela procurou vaga no avião, mas foi informada de que o vôo já estava lotado. "Tive um sensação terrível, quando soube da notícia...

2. “Crise aérea volta ao Plenário: ... Em aparte, Alberto Feitosa (PR) enfatizou que "a segurança do sistema aéreo brasileiro é garantida". "Precisamos considerar que a tragédia com o avião da Gol foi um fato raríssimo. Naquele dia, véspera de eleição, o avião estava lotado e, por causa das condições climáticas, o piloto pediu para voar numa altitude menor que a de costume", lamentou”.
3. “Há a suposição de que o Boeing da Gol estivesse voando abaixo da altitude costumeira de 41 mil pés porque estivesse muito pesado...”

Quem souber de matemática apenas as operações de somar e de diminuir certamente não terá muita dificuldade em perceber que se os Boeing 737-800 utilizados pela Gol comportam de 177 a 187 passageiros, mais 2 pilotos e 4 comissários (as) – (183 a 193 pessoas) –, como é que o vôo 1907 que vinha de Manaus poderia estar lotado, com apenas 154 pessoas a bordo? E muito pesado? Alguém poderia fazer a gentileza de responder a estas “dificílimas” perguntas?

Bem, embarcar sem check-in não é impossível. Vide o caso do co-piloto da TAM que, infelizmente, foi um dos mortos no trágico acidente do Airbus da companhia em Congonhas. Ele havia embarcado no vôo 3054 apenas com um passe, não tendo feito, portanto, o check-in. A própria família do co-piloto é que informou à TAM que ele estava desaparecido desde a noite do acidente. Depois de procurar, a companhia confirmou que Stepansky estava no avião que se acidentara.

Em se tratando do vôo 3054, a TAM não se complicou somente por não ter registrado a presença de Stepansky. Uma das pessoas listadas como adulto era, na verdade, uma criança de colo. Finalmente, um último comunicado da empresa afirmava que estavam dentro da aeronave acidentada: 160 passageiros, duas crianças de colo, seis tripulantes responsáveis pelo vôo (2 pilotos e 4 comissários) e 19 tripulantes não-operantes (funcionários da companhia em trânsito) – 187 pessoas a bordo.

O próprio site da TAM oferece visita virtual ao A-320. São 28 fileiras com 6 assentos cada uma; o que dá um total de 168 assentos. É de se supor que 168 assentos comportem 168 pessoas (fora os bebês de colo, os 2 pilotos e os comissários (as) - geralmente 3 ou 4). Se a TAM fez como a Turkish Airlines e optou por colocar 180 assentos, não é isso que está descrito em seu próprio site. Tudo bem que estes 12 assentos a mais sejam para funcionários da companhia ou para que a mesma ofereça favores a quem quer que deseje. Mesmo assim, os assentos deveriam estar representados nos modelos gráficos das aeronaves e simplesmente marcados como não disponíveis ou coisa que o valha.

Mesmo não estando presentes no esquema gráfico de assentos do A-320, a TAM vende e reserva, normalmente, passagens até a fileira 29. Ou seja, a companhia vende 174 bilhetes para passageiros comuns. Uma reportagem da VEJA fez o teste das reservas por telefone e publicou os resultados. A TAM divulgou que estavam dentro da aeronave acidentada 187 pessoas. Descontando-se os 2 pilotos, a tripulação de 4 comissários e 2 crianças de colo, havia, portanto, 179 pessoas - 5 pessoas a mais no avião. Onde é que estas pessoas estavam sentadas?

Some-se ao peso das pessoas em si, ao de suas bagagens e ao das cargas que sempre são levadas nestes vôos, a conclusão é óbvia: a aeronave provavelmente estava com excesso de peso (cujo máximo para pouso é de 64.500 kg, para este modelo). O presidente TAM, na primeira coletiva de imprensa dada após o acidente, disse que o Airbus 320 – JJ 3054 estava com o peso adequado. Mas, há pilotos que insistem em dizer que a pista de Congonhas, por ter cerca de 1700 metros, é curta para suportar a aterrisagem de uma aeronave com todo esse peso, afirmando que o ideal seria uma pista com pelo menos 2500 metros. No caso do acidente com o Airbus da TAM, esse fator, somado ao da pista molhada (e sem o grooving), agravou as condições que contribuíram para que o acidente acontecesse.

Peso, que está diretamente relacionado à lotação de passageiros e ao volume de cargas (bagagens e encomendas) das aeronaves, não pode ser colocado de lado nas investigações sobre os dois últimos acidentes aéreos que aconteceram no Brasil. E essa questão tem tudo a ver com a política de custo-benefício adotada pelas companhias aéreas que dividem o mercado brasileiro de aviação. Vou insistir: aviões não são ônibus com asas. E mais: estas empresas assim agem, por obra, graça e conivência do governo federal.

Christina FontenelleE-MAIL: Chrisfontell@gmail.com
BLOG/ACIDENTE TAM – 2007: http://acidentetam2007.blogspot.com/

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