domingo, 22 de julho de 2007

Economicídio aéreo nacional

Por trás das tragédias recentes da aviação civil brasileira está o modelo de economia neoliberal, que trata o mercado como se fosse um Deus e sobrepõe os interesses comerciais e a sede de lucro à segurança das pessoas. É a inversão total das prioridades

César Fonseca - csf.wa@apis.com.br


Qualquer ângulo pelo qual se aborde o pavoroso desastre do Airbus A-320, no vôo 3054 da TAM, de Porto Alegre a São Paulo, na terça (17), às 18,50h, que matou mais ou menos 200 pessoas, evidencia que o capitalismo neoliberal em ação no Brasil não passa de um economicídio em que o interesse coletivo é sobrepujado pelo interesse do lucro privado.

Tanto o governo, como os empresários do setor aéreo, que acertam as negociações no plano mais alto das decisões econômicas e políticas, no contexto da incompetente política aeroviária nacional, têm culpa no cartório.

O furo da Globo, na quinta (19), registrando o defeito no reversor direito do avião, reconhecido tecnicamente dias antes, mas que não foi consertado pela empresa, apesar de os manuais recomendarem tranqüilidade aparente, mostrou que o ser humano foi considerado pela TAM depois do lucro do negócio da aviação.

A empresa correu todos os riscos e levou à fatalidade, caso seja comprovada tecnicamente a culpa pela falta de reversor no drama do pouso do Airbus com mais de 186 passageiros mortos.

Somente o espírito extremamente neoliberal, em que o mercado é tratado como um Deus acima de tudo, vai ao ponto de matar em nome do lucro, sem cuidar da segurança do negócio e das pessoas que o movem.

O bom senso, em uma outra sociedade, em que o fator humano prepondera e cujos empresários fossem menos avaros, indicaria que o avião teria que ir para o hangar fazer revisão urgente.

O manual é um indicador que impõe atenção redobrada em termos de segurança. A explicação patética do presidente da TAM, de que a empresa, de acordo com o manual do Airbus, teria prazo de dez dias, depois do dia 13, quando se identificou o problema que explodira no dia 17, para consertar o defeito, não convence.

A empresa, para atender a demanda ampliada em julho, mês de férias, fez vista grossa. Vai ter que pagar caríssimo.

Onde ficou a propaganda da TAM favorável à qualidade total ao cliente, pregada pelo comandante Rolim, que defendeu tese transformada em realidade, tornando Congonhas ponto de conexão da aviação nacional? A qualidade total se transformou em total falta de qualidade.


Pecado do Estado

O governo não fica atrás como um dos culpados maiores da crise aérea. Se a causa principal não o culpa, como forçou a barra a oposição, no decorrer do drama, a fim de faturar politicamente com a tragédia, não se pode descartar que causas secundárias destroem a reputação governamental. Entregar a pista do aeroporto ao usuário sem que a mesma tenha sido inteiramente concluída, em condições de uso, representou completa irresponsabilidade.

Visão apressada do lucro sobre a segurança de vidas. Os gastos na modernização dos aeroportos, sob investigação na CPI do Apagão, por suspeição de mar de lama no processo licitatório da obra pública, priorizaram, sobretudo, aqueles que ficam fora dos aviões, apreciando o aeroporto, que se transformou em shopping center.

A segurança fundamental da infra-estrutura, que garante as vidas dos clientes das empresas dentro dos aviões, ficou para depois. Não foram feitas as ranhuras na pista para permitir escoamento de água em tempo chuvoso. No dia do desastre da TAM, chovia a cântaros.

E se ficar comprovado que a ausência do reversor não foi a causa básica? Restaria a culpa do piloto ou a culpa do governo. Haveria culpa compartilhada. Os vídeos mostram aviões pousando e águas indo aos céus.

Inverteram-se as prioridades. O lucro antevisto pelos investidores, devidamente estimulado pelo governo por intermédio da Infraero, na construção do grande shopping de Congonhas, bem como regras fixadas pela Anac, que traduzem os interesses privados, preponderou-se sobre a verdadeira segurança do ser humano.

Primeiro, deu-se atenção à construção do templo do consumismo. A segurança da pista teve que esperar verbas suplementares. A corrupção que impulsiona ação investigativa dos parlamentares na Comissão do Apagão teria cegado os interesses maiores dos empresários e do governo – Executivo e Legislativo – em meio aos acertos políticos no Congresso, durante tanto o governo FHC como o de Lula.

O caos foi cientificamente construído pela corrupção dos interesses públicos e privados imbricados ao longo dos dois governos.

O governo errou quando aceitou sobrecarregar o Aeroporto de Congonhas, dentro de um espaço urbano, para transformá-lo em ponto de conexão da aviação nacional, ao mesmo tempo em que permitiu que grandes aviões pousassem no Aeroporto de Congonhas.

Superpotencializou a demanda do velho aeroporto, cuja reforma revela-se agora infrutífera, pois os riscos que explodem demonstram que o tamanho restrito do campo de pouso não o recomenda para pousos longos e forçados, sujeitos a derrapagens e imprevistos, como revelam especialistas.

Por que predominou essa decisão, adotada ainda no governo FHC? Lula seguiu adiante com a opção fernandina, em vez de impor novas regras aos empresários do setor, ávidos de lucro, mesmo que seja à custa de vidas humanas.


Decisão criminosa

Jornal da Comunidade - Brasília-DF, 21.07.07


O Ministério Público, na Era FHC, acolheu proposta judicial contrária à permissão de superlotação de pousos em Congonhas, a sua transformação em conexão geral do transporte aéreo em território nacional e sua utilização intensa por grandes aviões.


Era o clamor da população, sentindo insegurança diante da possibilidade de desastres, a partir do momento em que o aeroporto passasse a conviver com as grandes máquinas voadoras do século 21, como é o caso do Airbus A-320 da TAM, em meio à excessiva demanda de vôos. Em algum momento, temia a população, que poderia ocorrer o fatalismo. Já ocorreu duas vezes. Vai continuar a insensatez?


O governo FHC manipulou a situação e, de novo, predominou, à moda economicida, o interesse do capital sobre a situação humana. Os grandes aviões intensificaram seus pousos em Congonhas e diminuíram a demanda sobre o Aeroporto Internacional de Viracopos, enquanto secaram investimentos para ampliar o Aeroporto Internacional de Guarulhos.

A comodidade, a alienação e o conformismo da população, também, falaram alto quando aceitou o jogo traçado pela união governo–empresários, para transformar em mega-aeroporto o médio aeroporto sem condições de ser mega.


Elevaram-se os números dos vôos, a carga de trabalho dos operadores, os desajustes na relação capital e trabalho, na divisão dos lucros do setor, dominado de forma oligopolizada e, consequentemente, emergiram os antagonismos que engrossaram e derramaram o caldo da crise aérea nacional, que se prolonga, de forma angustiante, há 11 meses.


O colapso produzido pelo superdimensionamento do Aeroporto de Congonhas revelou, por sua vez, a falta de governabilidade. Os problemas suscitados pela superexpansão jogaram interesses antagônicos entre si dentro do próprio governo. Revelou a insuficiência de poder do Ministério da Defesa, sem controle sobre as três Armas, enquanto a Infraero e a Anac deixaram de ser funcionais do ponto de vista da harmonização de funções em favor da governabilidade aérea satisfatória.


O Conselho Nacional da Aviação Civil (Conac), sob comando institucional do Ministério da Defesa, simplesmente inexistiu operacionalmente. E por aí se caminhou para o desastre da política aeroviária nacional.


Como relaxar e gozar diante de tal situação em que o economicídio se expressa pela voz do ministro da Fazenda quando diz que a culpa da crise aérea é do crescimento econômico acelerado na escala chinesa? Será que o governo da China entregaria aos chineses, isto é, ao mundo globalizado, uma pista de aeroporto sem ranhuras suficientes para evitar desastres possíveis e imagináveis?


Evidentemente, correu muito dinheiro por trás da decisão favorável de transformar o Aeroporto de Congonhas em mega sem que tenha tamanho compatível para essa pretensão megalomaníaca, impulsionada pela visão do lucro e pela cegueira da condição humana.


O irrazoável sobrepujou o razoável. A falta de investimentos para modernizar o Aeroporto de Guarulhos e a subutilização do Aeroporto de Viracopos revelaram o lado negativo da decisão de turbinar, criminosamente, Congonhas: o desperdício de dinheiro público. Os paulistas terão um prato cheio para decisões nas próximas eleições.

Nenhum comentário: