sábado, 28 de julho de 2007

PILOTOS E CIRURGIÕES

Fonte: http://www.diegocasagrande.com.br/index.php?do=Wm14aGRtOXlKVE5FWVhKMGFXZHZjeVV5Tm1sa0pUTkVNelF6TkRSTFFRPT1aeFAySg==
por Alfredo Guarischi
Publicado em 27/07/2007

Que paralelo pode ser traçado entre pilotos e cirurgiões? Pode ser traçado algum paralelo? Pilotos e cirurgiões erram, como qualquer ser humano, mas ambos são extremamente bem treinados e comprometidos em não errar. Cirurgiões, atualmente, não são condenados à morte ou mutilação quando erram, já que o código de Hamurábi que previa estas punições não é mais aplicado.Hoje é na base da lei do talião - com letras minúsculas mesmo. Diferentemente dos cirurgiões os pilotos continuam morrendo quando ocorrem graves desastres aéreos. É uma morte inerente à sua escolha de uma profissão de risco. Da mesma forma os cirurgiões podem ser contaminados por um vírus letal da hepatite C ou do HIV.
Os pilotos são obrigados a obter licença para voar cada tipo de avião. Um piloto de Boeing-777, só pode conduzir um Airbus após ser submetido a treinamento específico (teórico, simulador e prático, sob supervisão).Tenho inveja dos pilotos. Atualmente não consigo treinar novos cirurgiões, de modo tão sistemático e preciso. Faltam vagas para residência médica e não temos na medicina nada comparável aos atuais simuladores de vôo. Cirurgiões fazem cursos de reciclagem como os pilotos, mas apenas estes têm que renovar anualmente suas licenças .
Pilotos necessitam de equipes para operar seus aviões. Cirurgiões precisam de anestesistas, além de auxiliares médicos e não médicos no seu trabalho de levantar e pousar pacientes em segurança. Esta viagem-cirurgia, pode durar horas, sem descanso. Sempre necessita de um bom plano de vôo, de controladores e para-médicos que ganham pouco, mas sem os quais nada seria possível voar ou operar. Equipes são formadas e desfeitas em função de escalas. Cirurgiões ou pilotos poucas vezes conseguem escalar seu time, como nosso famoso técnico do voleibol. Independente das razões, Bernardinho tem e exerce sua autoridade, ao barrar o Ricardinho, recém-eleito o melhor jogador do último campeonato da liga mundial. Não conheço casos semelhantes em cirurgia. Em aviação talvez seja ainda mais improvável.
O material com que operamos ou voamos é um problema. São atualmente raros os cirurgiões proprietários de hospitais, assim como de pilotos donos de aeroportos ou grandes aviões. Todos (pilotos e cirurgiões), de um modo ou de outro, são assalariados direta ou indiretamente, empregados de companhias ou trabalham para governos e planos de saúde. Alguns poucos cirurgiões conseguem comprar certos equipamentos (tesouras ou pinças), mas não mesas de cirurgia, focos ou potentes microscópicos. Meus amigos pilotos conseguem apenas comprar óculos escuros, pois o restante é fornecido pelo patrão.
A população vai continuar necessitando de cirurgia e de cirurgiões, assim como de vôos e de pilotos. Infelizmente, erros vão continuar acontecendo, mormente com a incrementação de novas tecnologias e busca da superação de desafios. É necessário que se aprenda com os erros (raramente existirá uma causa isolada), de modo a saber como evitá-los. Se isto for impossível poderemos identificá-los e superá-los. A imensa maioria dos erros tem causas primárias longe da ponta - onde ocorreu o fato. O planejamento e conhecimento de sistemas complexos são fundamentais para que a execução de tarefas possa atingir o objetivo pretendido - operar ou voar com segurança.Acidentes raramente ocorrem por um erro simples . É necessário que haja a combinação do erro latente (previsível) associada ao erro ativo (falha), com a quebra dos mecanismos de defesa (segurança e plano de contingência). Não podemos modificar a condição humana (falibilidade), mas podemos modificar (de forma urgente e contínua) suas condições de trabalho (segurança).Em qualquer processo que envolva a ação de seres humanos estes podem falhar. Se esta ação final é seguida de um efeito indesejado, diagnostica-se como falha humana.
Cirurgiões e pilotos podem falhar, mas na maioria das vezes não é por imperícia, imprudência ou negligência - erro. O sistema atual é que é inseguro. Está errado. A ação final - na ponta – é confundida como causa-raiz do efeito indesejado.É muito mais fácil culpar pessoas, principalmente quando não são poderosas, encontram-se emocionalmente vitimadas ou estão mortas, do que organizações ou sistemas gerenciais que, embora anacrônicos, são poderosos. Possivelmente a causa-raiz do acidente da TAM, em Congonhas foi decorrente de falhas graves sistêmicas e evitáveis se houvesse atenção às normas vigentes de segurança de vôo.

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