Raiva. Raiva é o sentimento que se apodera de mim quando me encontro comigo mesma em meus pensamentos. Como eu gostaria de ser uma pessoa que não me deixasse abalar pelos horrores que se abatem sobre milhares de brasileiros, dia após dia, ano após ano. Não consigo. Eu poderia estar correndo atrás de coisas do meu interesse, atrás de dinheiro (tão necessário, hoje em dia). Mas, não. Luto por causas que não são minhas e convivo com a permanente espada do julgamento de conhecidos e de parentes que cobram, mesmo sem querer, o tal do sucesso financeiro – como já disse, tão necessário. Tenho tido que negar muitas coisas a meus filhos e a mim mesma por causa da falta do vil metal. É difícil.
É por isso que tenho raiva de não conseguir arrancar do meu peito e da minha consciência esse compromisso que tenho sei lá com o quê que me empurra incessantemente na busca das verdades, do esclarecimento sobre fatos e da análise sobre a nossa realidade – a do Brasil e a do mundo. Eu queria poder, simplesmente, sair por aí a me divertir. Não consigo. Não que não me divirta e que não seja uma pessoa alegre, especialmente para com aqueles que amo. É que sinto um pavor enorme de que o mundo adulto de meus filhos seja o desses horrores que vivemos hoje multiplicados por dez, cem, mil vezes.
As palavras são minha arma e a bendita internet meu veículo. Não há um só veículo de comunicação na capital Brasília que se atreva a me colocar em seu quadro de profissionais remunerados. Nenhum. Minha fama de língua afiada, contra o desgoverno que se apossou deste país foi assim premiada: morra de fome. Não morro, não, porque tenho família. Mas, sinceramente, gostaria que eles pudessem contar com alguém menos preocupado com justiça do que com formas de lhes proporcionar uma vida mais confortável.
Tenho asco dos governantes e dos covardes que poderiam fazer alguma coisa por todos nós e nada fazem. Fazem: vão ao cinema, vão comer pizza, vão tomar chope – para falar dos de hábitos simples. Tenho inveja do tipo de consciência que lhes permite passear pelo mundo descompromissadamente. E daí que milhões de brasileiros tenham sido mortos, pelo menos nos últimos 30 anos, por razões que, em última instância, cairiam diretamente sobre os ombros do Estado? E daí?
Sabem aquela sensação de não estar agradando? É assim que eu me sinto. Quando escrevi – e já foram 4 matérias – sobre o caos aéreo e principalmente sobre o acidente com o avião da Gol, em 29 de setembro de 2006, pensei que alguma coisa pudesse fazer com que as investigações fossem levadas mais a sério. Quanta inocência! Índice de retorno? Índice de efeito sobre a tal da CPI do Apagão? Índice de efeito sobre os parentes das vítimas? NENHUM. ZERO. NADA! E sobre os aposentados da Varig, a respeito de quem denunciei o inferno a que estão sendo submetidos homens, mulheres e famílias inteiras? ZERO. NADA! Sobre Lula e o aborto, antes da eleição? NADA! Sobre o caso Roseana Sarney e o banker do PT? Igualmente ZERO! Foram tantas denúncias, tantas análises... Para quê? Para ouvir de um senhor, dia desses: “você está queimando o seu filme na praça, falando mal do governo, para nada – ninguém liga e ninguém vai pagar suas contas!” Não, ele não falou isso em tom de solidariedade, não – foi de reprovação mesmo! Tive que engolir! Fazer o quê???
Sabem o que aconteceu há poucos dias no Brasil de tantas tragédias seguidas que mal conseguimos nos ater a algumas delas? Morte. Mais mortes. Morte de anônimos abandonados. Vou relatar alguns casos.
No primeiro deles (que, na verdade são dois), dois moradores de rua morreram de frio na região do ABC paulista, no último dia 3 de junho – a madrugada mais fria dos últimos 21 anos, que registrou 4,1ºC e mínima de 3,6 graus em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo. Um deles foi um homem de aproximadamente 60 anos que foi encontrado, no início da manhã, na marquise de uma casa de shows, no Centro de São Caetano. Segundo a Prefeitura, nas noites frias, equipes formadas por assistentes sociais e guardas municipais fazem rondas pela cidade, mas, naquela noite, nenhum deles teria visto o morador.
A outra vítima foi Mauro Pedroso (41 anos), que morreu em frente ao Centro de Recuperação Camille Flamarion - único albergue da cidade de Mauá. Segundo vizinhos, que o ouviram gritando e batendo na porta durante a noite, o centro teria se recusado a atender a vítima. A versão da presidente e fundadora da entidade, Ilda Lopes Ortiz, entretanto, foi a de que o morador de rua estaria muito bêbado e que não teria querido entrar. Conhecido no bairro, Pedroso, de acordo com um de seus sobrinhos, Vanderson P. Madruga, morava na rua havia seis meses, era alcoólatra e tinha três filhas (7, 8 e 11 anos). Por volta das 5h, uma ambulância foi chamada pelo centro para socorrer o homem. Tarde demais - ele já estava morto.
Sabe o que é mais estarrecedor nesta estória – tirando a morte de seres humanos, por frio, em pleno centro urbano de municípios de um estado como São Paulo, no século XXI? É o testemunho dos vizinhos que, apesar de terem ouvido os gritos da vítima, não tiveram a menor vergonha de testemunhar, no dia seguinte, com dedo acusatório em riste, apontado para o Centro de Recuperação, como se este tivesse sido o único a negar socorro ao homem. E sabem por que eles assim agiram? Porque a violência e o medo já estão tão entranhados em nossos costumes urbanos, que já nos servem de álibi, capaz de justificar plenamente qualquer ato de covardia ou de omissão. A violência urbana não mata somente aqueles que são diretamente atingidos por ela (e seus parentes, naturalmente), vias de fato, mas também aqueles cuja morte poderia ser evitada por simples atos de solidariedade – que vão desde palavras, de pequenos gestos, como um sorriso, por exemplo, a uma atitude providencial.
No segundo relato, um caso estarrecedor acontecido no outro extremo do país. Enquanto se encontrava sob análise do Ministério da Saúde, em Brasília, projeto da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (PA), solicitando verba de R$ 8,3 milhões para que fosse desenvolvido o plano de trabalho que propunha a realização de obras nos postos de saúde e nos hospitais da cidade, bem como a compra de equipamentos como desfibrilador, mesas cirúrgicas, etc. –, o brasileiro Antonio de Souza (um vigilante de 40 anos) agonizou, sob o testemunho das câmeras da TV Liberal, durante 3 horas, na Unidade Municipal de Saúde do bairro da Marambaia, na periferia de Belém, sofrendo dores e falta de ar causados pelo enfarto que sofrera, à espera de um atendimento médico que não veio. Ele morreu, às 10h30min, do último dia 2 de julho, cercado pelos familiares, que, desesperados e impotentes, não sabiam mais o que fazer para salvá-lo e para aliviar seu sofrimento.
A falta de um desfibrilador foi apenas um dos problemas enfrentados pelo vigilante. Outro agravante foi a falta de ambulância para locomovê-lo para outra unidade de saúde. Além disso, a equipe da unidade não utilizou nenhum aparelho que pudesse ajudar o paciente, tendo apenas lhe ministrado uma injeção, cuja composição não foi informada à família. No atestado de óbito constava como causa da morte: infarto agudo do miocárdio e insuficiência coronariana.
Palavras de José Gomes Temporão, um “surpreso” ministro da Saúde, ao saber do ocorrido:
“É inadmissível que um cidadão, dentro de um hospital, de uma unidade que está estruturada exatamente para dar o atendimento de urgência... É inadmissível que a gente tenha visto aquelas cenas de uma pessoa completamente desamparada, sem nenhum profissional de saúde do lado dela. A impressão de quem vê a cena é de abandono”.
Dois dias depois do ocorrido, o ministro despachou técnicos do departamento de auditoria do Ministério da Saúde para investigar o que teria acontecido na unidade pública de saúde de Belém. Para o ministério, entretanto, independentemente da liberação dos recursos, que, inclusive, teriam sido anunciados por Temporão, por telefone, ao prefeito de Belém, Duciomar Costa, o problema não estaria na aquisição de novos equipamentos e sim na manutenção dos que já existissem.
O ministério tem razão: qualquer equipamento velho, decrépito e defasado, desde que bem conservado, pode muito bem servir para essa gente que nunca comeu caviar...
O prefeito de Belém, Duciomar Costa, abriu inquérito administrativo e culpou gestões anteriores - apesar de já estar há dois anos no cargo. O Secretário de Saúde, Paulo Edson Souza, por sua vez, admitiu a falta de pessoal na unidade e também mandou abrir inquérito administrativo, além de substituir a gerência da UMS Marambaia, bem como também a diretora de urgência da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). O Ministério Público, de seu lado, afirmou que já havia alertado a prefeitura sobre a situação daquela unidade. No dia seguinte, a polícia abriu inquérito para apurar a morte de Antônio, porque, segundo o diretor de polícia metropolitana, estava caracterizado o crime de omissão de socorro (pena de seis meses a um ano e meio de detenção).
Todo mundo fazendo seu dever de casa e, é claro, o culpado pela morte do vigilante deverá ter sido ele próprio – quem mandou ser pobre e honesto? (Diga-se de passagem, adjetivos cada vez mais sinônimos). Ou talvez venham a ser os médicos e enfermeiros daquela unidade de saúde, por não terem feito os cursos de “A Multiplicação dos Pães” e o de “A Ressurreição de Lázaro”, tão necessários ao exercício da medicina no Brasil.
Muitas denúncias sobre o péssimo atendimento e a falta de infra-estrutura nas Unidades Municipais de Saúde (UMS) de Belém já haviam sido feitas, inclusive sobre a situação caótica da unidade da Marambaia. Três dias depois da morte do vigilante Antônio, e quase três anos depois de estar no cargo, o Prefeito Duciomar reuniu-se com 34 diretores das UMS para ouvir as principais reivindicações dos servidores para melhorar o atendimento à população. Uma próxima reunião, para avaliar novamente a situação, deverá acontecer na primeira semana de agosto. Tudo com muita calma – quem precisar de atendimento médico nesse período que conte com a sorte!
E nós contamos os corpos, não só os dos que são vítimas da negligência dos governantes com a Saúde, mas como também os dos que têm sido vítimas da violência urbana; os dos que se foram no acidente com a avião da Gol, vôo 1907; o do senhor que morreu, vítima de enfarte, num saguão de aeroporto cheio de passageiros, durante o motim dos controladores de vôo; o do piloto da Varig – pai de família, no auge da vida, aos 40 anos de idade -, também vítima de enfarte causado pelo estresse que enfrentava durante a crise imposta à empresa; assim como, agora, passamos a contar os corpos daqueles que morreram no acidente com o A-320 da TAM, vôo JJ 3054, em Congonhas.
O presidente da TAM, Marco Bologna, em entrevista coletiva concedida nesta quarta-feira, descartou problemas no A-320, dizendo que o airbus estava com as revisões em dia e que não havia nenhum registro de problema com aquele avião. Disse ainda que o A-320 não é grande demais para a pista de Congonhas e que o avião do vôo JJ 3054 transportava um peso dentro dos limites do que é autorizado para pouso naquele aeroporto - com chuva e em pista sem ranhuras. Bologna disse também que Congonhas é um aeroporto seguro, destacando, inclusive, que teria havido diminuição da freqüência das operações no local (que, parece, já ter sido de quase duas vezes maior do que a atual).
Quanto à pista reformada, o presidente da TAM disse que o fato de ter sido entregue sem o grooving - ranhuras que servem para melhorar o escoamento de água e que aumentam a aderência do piso - não é necessariamente relevante, já que esse fator é levado em consideração nos cálculos das operações de atrelagem. E concluiu dizendo que, além do mais, "Quando um aeroporto que não tem grooving está aberto, pressupõe-se que a lâmina de água esteja menor que três milímetros".
De sua parte, o Superintendente de Engenharia da Infraero, Armando Schneider Filho, negou que o acidente possa ter sido causado por uma derrapagem da aeronave na pista, afirmando que, na mesma, não existem condições para aquele tipo de ocorrência. Disse isso a despeito dos incidentes já ocorridos naquela pista: 3 antes e 1 depois da reforma.
Em janeiro de 2003, um jatinho que levava o então presidente do PL, Waldemar da Costa Netto, escorregou ao pousar, saiu da pista do aeroporto e caiu em cima de um carrinho de churrasco. Em março de 2006, um avião da BRA também não conseguiu parar na pista molhada, atravessou o gramado e ficou com o bico do lado de fora do aeroporto. Em agosto do mesmo ano, foi a vez de um avião da Gol, com 122 passageiros, que também derrapou e invadiu a pista. Agora, vinte e quatro horas antes do fatídico acidente com o avião da TAM, um jato da companhia Pantanal derrapou ao pousar na mesma pista principal de Congonhas e parou sobre a grama.
Então, parece que vai começar toda aquela ladainha de informações desencontradas que ouvimos nos primeiros dias depois do acidente com o avião da Gol – sobre o qual, dez meses depois de ocorrido, não tenha sido revelado nada que se aproxime, nem quanto à verossimilhança, da verdade.
Não foi defeito no A-320 da TAM, não foi o tamanho nem o peso da aeronave, assim como também não foi o tamanho nem a falta de grooving da pista. Igualmente, não foi erro de nenhum controlador de tráfego aéreo, nem foi falha de equipamento. Também não foi falta de investimento do governo, nem excesso de tráfego de aviões.
Sobrou o que? Quem? Assim como aconteceu com os pilotos do Legacy, ao comandante deste avião da TAM – parece - sobrarão insinuações que lhe atribuam atitudes suicidas.
Não se passará nem perto do fato de as aeronaves, todas, destas novíssimas companhias aéreas de baixo custo terem passado por reformas – ainda que de fábrica – que lhes acrescentaram mais e mais acentos (onde quer que coubessem). E, logicamente, pelo fato de que a esse acréscimo de acentos, é inexorável o aumento do peso que será empreendido à aeronave pelas bagagens dos passageiros. Ninguém fala sobre isso, mas, muitos dos aviões que levam passageiros, parecem levar também encomendas – caixas de vários tamanhos quase todas embrulhadas em papel pardo. Nunca viram? Vão até o salão panorâmico do aeroporto de Brasília. Isso não é uma acusação – nem eu poderia fazê-la -, mas uma observação que não foi levada em consideração no acidente com o avião da Gol e, ao que parece, também, agora, com o avião da TAM, não o será.
É por isso que tenho raiva de não conseguir arrancar do meu peito e da minha consciência esse compromisso que tenho sei lá com o quê que me empurra incessantemente na busca das verdades, do esclarecimento sobre fatos e da análise sobre a nossa realidade – a do Brasil e a do mundo. Eu queria poder, simplesmente, sair por aí a me divertir. Não consigo. Não que não me divirta e que não seja uma pessoa alegre, especialmente para com aqueles que amo. É que sinto um pavor enorme de que o mundo adulto de meus filhos seja o desses horrores que vivemos hoje multiplicados por dez, cem, mil vezes.
As palavras são minha arma e a bendita internet meu veículo. Não há um só veículo de comunicação na capital Brasília que se atreva a me colocar em seu quadro de profissionais remunerados. Nenhum. Minha fama de língua afiada, contra o desgoverno que se apossou deste país foi assim premiada: morra de fome. Não morro, não, porque tenho família. Mas, sinceramente, gostaria que eles pudessem contar com alguém menos preocupado com justiça do que com formas de lhes proporcionar uma vida mais confortável.
Tenho asco dos governantes e dos covardes que poderiam fazer alguma coisa por todos nós e nada fazem. Fazem: vão ao cinema, vão comer pizza, vão tomar chope – para falar dos de hábitos simples. Tenho inveja do tipo de consciência que lhes permite passear pelo mundo descompromissadamente. E daí que milhões de brasileiros tenham sido mortos, pelo menos nos últimos 30 anos, por razões que, em última instância, cairiam diretamente sobre os ombros do Estado? E daí?
Sabem aquela sensação de não estar agradando? É assim que eu me sinto. Quando escrevi – e já foram 4 matérias – sobre o caos aéreo e principalmente sobre o acidente com o avião da Gol, em 29 de setembro de 2006, pensei que alguma coisa pudesse fazer com que as investigações fossem levadas mais a sério. Quanta inocência! Índice de retorno? Índice de efeito sobre a tal da CPI do Apagão? Índice de efeito sobre os parentes das vítimas? NENHUM. ZERO. NADA! E sobre os aposentados da Varig, a respeito de quem denunciei o inferno a que estão sendo submetidos homens, mulheres e famílias inteiras? ZERO. NADA! Sobre Lula e o aborto, antes da eleição? NADA! Sobre o caso Roseana Sarney e o banker do PT? Igualmente ZERO! Foram tantas denúncias, tantas análises... Para quê? Para ouvir de um senhor, dia desses: “você está queimando o seu filme na praça, falando mal do governo, para nada – ninguém liga e ninguém vai pagar suas contas!” Não, ele não falou isso em tom de solidariedade, não – foi de reprovação mesmo! Tive que engolir! Fazer o quê???
Sabem o que aconteceu há poucos dias no Brasil de tantas tragédias seguidas que mal conseguimos nos ater a algumas delas? Morte. Mais mortes. Morte de anônimos abandonados. Vou relatar alguns casos.
No primeiro deles (que, na verdade são dois), dois moradores de rua morreram de frio na região do ABC paulista, no último dia 3 de junho – a madrugada mais fria dos últimos 21 anos, que registrou 4,1ºC e mínima de 3,6 graus em Parelheiros, na Zona Sul de São Paulo. Um deles foi um homem de aproximadamente 60 anos que foi encontrado, no início da manhã, na marquise de uma casa de shows, no Centro de São Caetano. Segundo a Prefeitura, nas noites frias, equipes formadas por assistentes sociais e guardas municipais fazem rondas pela cidade, mas, naquela noite, nenhum deles teria visto o morador.
A outra vítima foi Mauro Pedroso (41 anos), que morreu em frente ao Centro de Recuperação Camille Flamarion - único albergue da cidade de Mauá. Segundo vizinhos, que o ouviram gritando e batendo na porta durante a noite, o centro teria se recusado a atender a vítima. A versão da presidente e fundadora da entidade, Ilda Lopes Ortiz, entretanto, foi a de que o morador de rua estaria muito bêbado e que não teria querido entrar. Conhecido no bairro, Pedroso, de acordo com um de seus sobrinhos, Vanderson P. Madruga, morava na rua havia seis meses, era alcoólatra e tinha três filhas (7, 8 e 11 anos). Por volta das 5h, uma ambulância foi chamada pelo centro para socorrer o homem. Tarde demais - ele já estava morto.
Sabe o que é mais estarrecedor nesta estória – tirando a morte de seres humanos, por frio, em pleno centro urbano de municípios de um estado como São Paulo, no século XXI? É o testemunho dos vizinhos que, apesar de terem ouvido os gritos da vítima, não tiveram a menor vergonha de testemunhar, no dia seguinte, com dedo acusatório em riste, apontado para o Centro de Recuperação, como se este tivesse sido o único a negar socorro ao homem. E sabem por que eles assim agiram? Porque a violência e o medo já estão tão entranhados em nossos costumes urbanos, que já nos servem de álibi, capaz de justificar plenamente qualquer ato de covardia ou de omissão. A violência urbana não mata somente aqueles que são diretamente atingidos por ela (e seus parentes, naturalmente), vias de fato, mas também aqueles cuja morte poderia ser evitada por simples atos de solidariedade – que vão desde palavras, de pequenos gestos, como um sorriso, por exemplo, a uma atitude providencial.
No segundo relato, um caso estarrecedor acontecido no outro extremo do país. Enquanto se encontrava sob análise do Ministério da Saúde, em Brasília, projeto da Secretaria Municipal de Saúde de Belém (PA), solicitando verba de R$ 8,3 milhões para que fosse desenvolvido o plano de trabalho que propunha a realização de obras nos postos de saúde e nos hospitais da cidade, bem como a compra de equipamentos como desfibrilador, mesas cirúrgicas, etc. –, o brasileiro Antonio de Souza (um vigilante de 40 anos) agonizou, sob o testemunho das câmeras da TV Liberal, durante 3 horas, na Unidade Municipal de Saúde do bairro da Marambaia, na periferia de Belém, sofrendo dores e falta de ar causados pelo enfarto que sofrera, à espera de um atendimento médico que não veio. Ele morreu, às 10h30min, do último dia 2 de julho, cercado pelos familiares, que, desesperados e impotentes, não sabiam mais o que fazer para salvá-lo e para aliviar seu sofrimento.
A falta de um desfibrilador foi apenas um dos problemas enfrentados pelo vigilante. Outro agravante foi a falta de ambulância para locomovê-lo para outra unidade de saúde. Além disso, a equipe da unidade não utilizou nenhum aparelho que pudesse ajudar o paciente, tendo apenas lhe ministrado uma injeção, cuja composição não foi informada à família. No atestado de óbito constava como causa da morte: infarto agudo do miocárdio e insuficiência coronariana.
Palavras de José Gomes Temporão, um “surpreso” ministro da Saúde, ao saber do ocorrido:
“É inadmissível que um cidadão, dentro de um hospital, de uma unidade que está estruturada exatamente para dar o atendimento de urgência... É inadmissível que a gente tenha visto aquelas cenas de uma pessoa completamente desamparada, sem nenhum profissional de saúde do lado dela. A impressão de quem vê a cena é de abandono”.
Dois dias depois do ocorrido, o ministro despachou técnicos do departamento de auditoria do Ministério da Saúde para investigar o que teria acontecido na unidade pública de saúde de Belém. Para o ministério, entretanto, independentemente da liberação dos recursos, que, inclusive, teriam sido anunciados por Temporão, por telefone, ao prefeito de Belém, Duciomar Costa, o problema não estaria na aquisição de novos equipamentos e sim na manutenção dos que já existissem.
O ministério tem razão: qualquer equipamento velho, decrépito e defasado, desde que bem conservado, pode muito bem servir para essa gente que nunca comeu caviar...
O prefeito de Belém, Duciomar Costa, abriu inquérito administrativo e culpou gestões anteriores - apesar de já estar há dois anos no cargo. O Secretário de Saúde, Paulo Edson Souza, por sua vez, admitiu a falta de pessoal na unidade e também mandou abrir inquérito administrativo, além de substituir a gerência da UMS Marambaia, bem como também a diretora de urgência da Secretaria Municipal de Saúde (Sesma). O Ministério Público, de seu lado, afirmou que já havia alertado a prefeitura sobre a situação daquela unidade. No dia seguinte, a polícia abriu inquérito para apurar a morte de Antônio, porque, segundo o diretor de polícia metropolitana, estava caracterizado o crime de omissão de socorro (pena de seis meses a um ano e meio de detenção).
Todo mundo fazendo seu dever de casa e, é claro, o culpado pela morte do vigilante deverá ter sido ele próprio – quem mandou ser pobre e honesto? (Diga-se de passagem, adjetivos cada vez mais sinônimos). Ou talvez venham a ser os médicos e enfermeiros daquela unidade de saúde, por não terem feito os cursos de “A Multiplicação dos Pães” e o de “A Ressurreição de Lázaro”, tão necessários ao exercício da medicina no Brasil.
Muitas denúncias sobre o péssimo atendimento e a falta de infra-estrutura nas Unidades Municipais de Saúde (UMS) de Belém já haviam sido feitas, inclusive sobre a situação caótica da unidade da Marambaia. Três dias depois da morte do vigilante Antônio, e quase três anos depois de estar no cargo, o Prefeito Duciomar reuniu-se com 34 diretores das UMS para ouvir as principais reivindicações dos servidores para melhorar o atendimento à população. Uma próxima reunião, para avaliar novamente a situação, deverá acontecer na primeira semana de agosto. Tudo com muita calma – quem precisar de atendimento médico nesse período que conte com a sorte!
E nós contamos os corpos, não só os dos que são vítimas da negligência dos governantes com a Saúde, mas como também os dos que têm sido vítimas da violência urbana; os dos que se foram no acidente com a avião da Gol, vôo 1907; o do senhor que morreu, vítima de enfarte, num saguão de aeroporto cheio de passageiros, durante o motim dos controladores de vôo; o do piloto da Varig – pai de família, no auge da vida, aos 40 anos de idade -, também vítima de enfarte causado pelo estresse que enfrentava durante a crise imposta à empresa; assim como, agora, passamos a contar os corpos daqueles que morreram no acidente com o A-320 da TAM, vôo JJ 3054, em Congonhas.
O presidente da TAM, Marco Bologna, em entrevista coletiva concedida nesta quarta-feira, descartou problemas no A-320, dizendo que o airbus estava com as revisões em dia e que não havia nenhum registro de problema com aquele avião. Disse ainda que o A-320 não é grande demais para a pista de Congonhas e que o avião do vôo JJ 3054 transportava um peso dentro dos limites do que é autorizado para pouso naquele aeroporto - com chuva e em pista sem ranhuras. Bologna disse também que Congonhas é um aeroporto seguro, destacando, inclusive, que teria havido diminuição da freqüência das operações no local (que, parece, já ter sido de quase duas vezes maior do que a atual).
Quanto à pista reformada, o presidente da TAM disse que o fato de ter sido entregue sem o grooving - ranhuras que servem para melhorar o escoamento de água e que aumentam a aderência do piso - não é necessariamente relevante, já que esse fator é levado em consideração nos cálculos das operações de atrelagem. E concluiu dizendo que, além do mais, "Quando um aeroporto que não tem grooving está aberto, pressupõe-se que a lâmina de água esteja menor que três milímetros".
De sua parte, o Superintendente de Engenharia da Infraero, Armando Schneider Filho, negou que o acidente possa ter sido causado por uma derrapagem da aeronave na pista, afirmando que, na mesma, não existem condições para aquele tipo de ocorrência. Disse isso a despeito dos incidentes já ocorridos naquela pista: 3 antes e 1 depois da reforma.
Em janeiro de 2003, um jatinho que levava o então presidente do PL, Waldemar da Costa Netto, escorregou ao pousar, saiu da pista do aeroporto e caiu em cima de um carrinho de churrasco. Em março de 2006, um avião da BRA também não conseguiu parar na pista molhada, atravessou o gramado e ficou com o bico do lado de fora do aeroporto. Em agosto do mesmo ano, foi a vez de um avião da Gol, com 122 passageiros, que também derrapou e invadiu a pista. Agora, vinte e quatro horas antes do fatídico acidente com o avião da TAM, um jato da companhia Pantanal derrapou ao pousar na mesma pista principal de Congonhas e parou sobre a grama.
Então, parece que vai começar toda aquela ladainha de informações desencontradas que ouvimos nos primeiros dias depois do acidente com o avião da Gol – sobre o qual, dez meses depois de ocorrido, não tenha sido revelado nada que se aproxime, nem quanto à verossimilhança, da verdade.
Não foi defeito no A-320 da TAM, não foi o tamanho nem o peso da aeronave, assim como também não foi o tamanho nem a falta de grooving da pista. Igualmente, não foi erro de nenhum controlador de tráfego aéreo, nem foi falha de equipamento. Também não foi falta de investimento do governo, nem excesso de tráfego de aviões.
Sobrou o que? Quem? Assim como aconteceu com os pilotos do Legacy, ao comandante deste avião da TAM – parece - sobrarão insinuações que lhe atribuam atitudes suicidas.
Não se passará nem perto do fato de as aeronaves, todas, destas novíssimas companhias aéreas de baixo custo terem passado por reformas – ainda que de fábrica – que lhes acrescentaram mais e mais acentos (onde quer que coubessem). E, logicamente, pelo fato de que a esse acréscimo de acentos, é inexorável o aumento do peso que será empreendido à aeronave pelas bagagens dos passageiros. Ninguém fala sobre isso, mas, muitos dos aviões que levam passageiros, parecem levar também encomendas – caixas de vários tamanhos quase todas embrulhadas em papel pardo. Nunca viram? Vão até o salão panorâmico do aeroporto de Brasília. Isso não é uma acusação – nem eu poderia fazê-la -, mas uma observação que não foi levada em consideração no acidente com o avião da Gol e, ao que parece, também, agora, com o avião da TAM, não o será.
Também não se falará a respeito da pista que deveria ter sido fechada. Motivos não faltaram para isso. O principal deles foi o incidente com o jatinho da Pantanal, como já disse, ocorrido 24 horas antes do acidente com o airbus da TAM. Aliás, sobre a pista, especificamente, será aquele festival de disse-me-disse que, no final, não se saberá quem terá dito a verdade. Mas, uma coisa é certa: a pista foi aberta antes de estar terminada por razões econômicas - governo e companhias aéreas estão acordados nesse ponto. Nesse ponto e em muitos outros. Pontos que nublaram as investigações sobre a queda do avião da Gol, há dez meses. Pode acontecer a mesma coisa agora.
Quantos corpos mais serão empilhados e pisados por aqueles que só vislumbram ascensão, riqueza e poder? Quantas almas mais serão condenadas aos vales da dor e do desespero por causa da covardia daqueles que, voluntariamente, venderam as suas próprias?
Quantos corpos mais serão empilhados e pisados por aqueles que só vislumbram ascensão, riqueza e poder? Quantas almas mais serão condenadas aos vales da dor e do desespero por causa da covardia daqueles que, voluntariamente, venderam as suas próprias?
3 comentários:
Há tempo que leio seus artigos, recebo seus e-mails e os repasso às pessoas constantes de minha lista, que não são poucas.
Creio que todos nós temos um propósito nesta vida. Felizes daqueles que descobrem o seu e se engajam nele. Parece que é o seu caso.
Não desanime. Os resultados virão a seu tempo. Vão demorar. Mas virão. Diria que estão vindo.
Se observarmos como agiam certas ONGs, e pessoas ditas politicamente corretas, endeusando criminosos com total apoio e diria conluio da imprensa. Onde estão? Sumiram. Raramente os vemos. Mas já se veem os que defendem ações duras contra crimnosos, pensa-se com apoio considerável da população, politicos e imprensa em baixar a maioridade penal. Nada disso seria possivel há 10 anos atrás.
Hoje esse estatuto do menor que temos aí, não passaria assim. Certamente seria muito diferente e mais duro.
As coisas estão acontecendo sim Christina. Precisamos e muito de seu trabalho desinteressado, embora reconheça e concorde com vc que tens contas a pagar, filhos a sustentar e educar.
Força e boa sorte!
Luiz Sergio Fernandes
Luiz disse ...creio que todos nós temos um propósito nesta vida. Felizes daqueles que descobrem o seu e se engajam nele. Parece que é o seu caso.
Não desanime. Os resultados virão a seu tempo. Vão demorar. Mas virão. Diria que estão vindo...
Tenha a certeza que a recompensa pela sua perseverança e abnegação já esta reservada; e é Eterna.
De minha parte só posso lhe oferecer minhas orações para que tenhas sempre Luz e não desanime nunca.
Gostaria de aproveitar este espaco para manifestar a minha indignacao com a crise aerea no Pais e dizer que temos que nos manifestar, ir vestidos de preto para a rua com a cara pintada e colocar pra fora a nossa revolta. N'ao podemos deixar mais este fato passar, eh preciso fazer algo e rapido, impedir a decolagem dos v"oos, interditar as principais avenidas da cidade e pedir justica, se ficarmos em silencio daqui ha 10 dias tudo voltara a ser como era. VAMOS ACABAR COM ESTE SILENCIO.
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